O tribunal, há muito criticado por abordar apenas crimes em África e processos fracassados de líderes no Quénia e na Costa do Marfim, tem atualmente investigações em andamento em 17 países, do Afeganistão à Ucrânia, embora a maioria dos casos sejam do continente africano.
David Crane, o procurador-geral fundador do Tribunal Especial de Serra Leoa, que condenou o ex-Presidente liberiano Charles Taylor e outros como criminosos de guerra, disse que o TPI, com sede em Haia, é uma instituição legal crucial, apesar de algumas críticas ao seu trabalho.
"O TPI é a pedra angular de como lidamos com crimes e atrocidades ao nível internacional", disse Crane à Associated Press.
"Com a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, o TPI deve liderar a responsabilização do Presidente Vladimir Putin. Este é o momento do TPI. Tem que se perceber isso", acrescentou.
O tribunal registou apenas três condenações por crimes de guerra e cinco por interferência na justiça nos 20 anos que leva desde a sua criação.
O Estatuto de Roma, que criou esta instância judicial, entrou em vigor em 01 de julho de 2002. Sem uma força policial própria e dependente das autoridades nacionais para realizar detenções, levar os suspeitos para Haia tem sido um problema desde o início e provavelmente continuará a ser um obstáculo crítico para se fazer justiça.
E a aplicação da justiça não sai barata: o orçamento do TPI para 2022 é de quase 155 milhões de euros, e gastou mais de 2,2 mil milhões de euros desde a sua criação.
Um total de 123 países são membros do tribunal e aceitam sua jurisdição, mas as potências globais, como Estados Unidos, Rússia e China, não.
Tal significa que, se as investigações do procurador Karim Khan na Ucrânia levarem a acusações contra suspeitos russos, é improvável que Moscovo os disponibilize voluntariamente para serem julgados em Haia.
O aniversário de hoje deve ser um momento para "refletir e tentar atualizar o processo de justiça internacional", disse Khan.
"Se trabalharmos de forma coletiva, estou confiante de que a justiça internacional pode acelerar e avançar e ter o impacto necessário", acrescentou.
A organização de direitos humanos Amnistia Internacional, no entanto, criticou as decisões dos procuradores nos últimos anos, incluindo o de não investigarem alegados crimes cometidos por forças britânicas no Iraque e "retirarem prioridade" à investigação sobre alegações de crimes cometidos por norte-americanos no Afeganistão.
A secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, considera que o "vislumbre de esperança" que o TPI ofereceu às vítimas de crimes, de que os perpetradores seriam levados à justiça, diminuiu.
"Mas parece ter-se desviado do curso nos últimos anos, com decisões recentes do procurador do TPI a suscitar preocupações de que o tribunal possa estar a caminhar para um sistema hierárquico de justiça internacional", acrescentou Callamard num comunicado, em que também criticou a decisão de procurar financiamento voluntário para a investigação na Ucrânia.
"Os Estados membros do TPI devem garantir que todas as investigações e atividades do tribunal sejam totalmente financiadas -- eles não devem usar seus recursos e cooperação como ferramentas para influenciar quais as situações e partes são investigadas. Enquanto isso, todos os Estados que ainda não o fizeram, incluindo a Ucrânia, devem ratificar o Estatuto de Roma", defendeu a Amnistia.
Numa declaração comemorativa do aniversário, a União Europeia destacou as conquistas do TPI e pediu às nações que ainda não aderiram a fazê-lo.
"As suas decisões marcantes contribuíram para a luta contra a impunidade e o desenvolvimento da jurisprudência criminal internacional, por exemplo, sobre crimes sexuais e de género, recrutamento e uso de crianças em conflitos armados e destruição de bens culturais", afirmou a UE.
Crane admitiu que o tribunal, que só aceita casos em que as autoridades locais não podem ou não querem agir, "tropeçou de tempos em tempos, causando uma reputação mista quanto à sua viabilidade".
Apesar disso, "o TPI é um esforço internacional digno que deve ser apoiado. Francamente, não podemos deixar isso falhar", vincou, concluindo: "O que o TPI faz com seu trabalho na Ucrânia é um momento de sucesso ou fracasso".
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