Esta foi uma das conclusões do relatório preliminar do Conselho Nacional de Direitos Humanos de Marrocos (CNDH), hoje apresentado em Rabat, na sequência da investigação de uma comissão enviada a Nador, cidade marroquina de onde os migrantes partiram, e a Melilla, cidade espanhola enclave em Marrocos.
"Com base numa série de testemunhos, nomeadamente de organizações não-governamentais, a comissão invoca a hipótese de a violência ter sido causada pela renúncia ou hesitação das autoridades espanholas em prestar auxílio, apesar da grande concentração de migrantes no posto fronteiriço", afirmou a presidente do CNDH, Amina Bouayach, em conferência de imprensa hoje realizada em Rabat.
Bouayach, acompanhada por membros da comissão, incluindo um médico, explicou que - de acordo com os depoimentos - as autoridades espanholas terão usado violência e não socorreram os feridos que estavam a saltar ou a cair do muro da fronteira, além de terem fechado "os portões" de acesso ao posto fronteiriço quando "a sua responsabilidade era abri-los".
Além disso, a presidente do CNDH confirmou o número de 23 migrantes mortos e explicou que os cadáveres não foram ainda sepultados porque estão a ser sujeitos a autópsias e testes de ADN.
Quanto aos feridos (140 entre as forças públicas marroquinas e 77 entre os migrantes), a presidente do CNDH garantiu que todos receberam assistência médica adequada, sublinhando que as tropas marroquinas não usaram balas durante sua intervenção.
Amina Bouayach avisou que a crise da migração "vai piorar" devido à pobreza, guerras e alterações climáticas sofridas pelo continente africano e pediu uma revisão da política de migração e cooperação internacional relativa a esta área.
"Os muros e cercas não vão impedir os migrantes de entrar na Europa. E a Europa não pode fechar as suas portas e deixar os países vizinhos lidarem sozinhos com os fluxos migratórios", concluiu.
Cerca de 2.000 pessoas tentaram, em 24 de junho, entrar de forma ilegal no enclave espanhol de Melilla, a partir de Marrocos, e pelo menos 130 conseguiram, mas foram levadas para um centro de acolhimento temporário.
A concentração em território marroquino perto de Melilla começou cerca das 06:30, tendo sido acionado um dispositivo policial pelos dois países.
Os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla são as únicas fronteiras terrestres da União Europeia com o continente africano (com Marrocos, nos dois casos).
Esta foi a primeira tentativa de violação massiva das fronteiras dos enclaves desde a normalização das relações diplomáticas entre Madrid e Rabat, em março passado, depois de um ano de tensões.
A crise entre Marrocos e Espanha estava relacionada com a estada em Espanha, em abril de 2021, do líder do movimento independentista sarauí Frente Polisário, para ser tratado na sequência de uma infeção causada pela covid-19.
A Frente Polisário, apoiada pela Argélia, contesta a ocupação por Marrocos do Saara Ocidental.
A tensão diplomática entre Madrid e Rabat desencadeou a entrada, em meados de maio, de mais de 10.000 migrantes em Ceuta, graças a uma flexibilização dos controlos do lado marroquino.
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