Escândalo em prisão russa: Violavam para chantagear ou forçar confissões

Violações violentas eram uma das formas de tortura para subjugar e intimidar os reclusos em Saratov.

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Marta Ferreira
11/08/2022 10:35 ‧ 11/08/2022 por Marta Ferreira

Mundo

Rússia

O hospital prisional de Saratov, no sudoeste da Rússia, veio a público no ano passado devido aos relatos de abuso sexual e físico a que os reclusos eram submetidos enquanto estavam detidos. O escândalo ganhou tal proporção que levou, inclusive, o governo russo a reagir. 

Em 2021, Sergey Savelyev, então prisioneiro de Saratov, conseguiu contrabandear vídeos para fora da prisão, revelando alguns dos episódios mais escabrosos de tortura alguma vez vistos na Rússia. 

As imagens chegaram às mãos de uma organização de direitos humanos que reportou o que estava a acontecer aos meios de comunicação social internacionais. 

De acordo com a BBC, que falou com vítimas e especialistas, o abuso era levado a cabo pelas próprias autoridades da cadeia para chantagear, intimidar ou forçar confissões dos reclusos. 

Sem que haja uma supervisão independente das cadeias, as prisões russas e hospitais prisionais funcionam quase com regras próprias, sem que exista sequer uma entidade que garanta os direitos humanos dos presos, lê-se na reportagem.

Segundo o jornal independente russo Proekt, a tortura nas prisões foi denunciada em 90% das regiões russas entre 2015 e 2019, no entanto, pouco foi feito para condenar os agressores ou travar os abusos. 

Nos documentos judiciais que remontam a este período, a BBC destaca a condenação de 41 membros dos serviços prisionais nos casos mais sérios que passaram pela justiça russa. Mas, metade destes apenas recebeu pena suspensa sem que houvesse 'mão pesada' pelos crimes cometidos. 

As vítimas tentam lutar por justiça, no entanto, pouco é feito para travar a violência nas cadeias russas.  

Vítima relata os ataques extremamente violentos que sofreu

[Aviso: A descrição que se segue contém um relato de um ex-recluso com descrições gráficas de abuso sexual e violência]

Na busca por mais pormenores sobre o escândalo, a BBC falou com ex-reclusos, incluindo Alexei Makarov que relatou a tortura que viveu. 

Makarov foi transferido para hospital prisional de Saratov em 2018 para cumprir a pena de seis anos por assalto. Na altura já sabia da reputação do estabelecimento. 

Segundo a BBC, os prisioneiros que são enviados para Saratov de outras prisões denunciaram que as bases médicas eram fabricadas para que os presos pudessem ser torturados à porta fechada.

O ex-recluso não se encontrava bem de saúde depois de ter sido diagnosticado com tuberculose e esperava ser 'poupado' à tortura de que tinha previamente conhecimento. Mas Alexei não foi poupado, tendo sido violado, de forma extremamente violenta, por duas vezes enquanto cumpriu ali pena.  

Quando desmaiava [durante a violação], atiravam-me água fria. A primeira vez que Makarov foi alvo de abusos corria o ano de 2020, em fevereiro, quando recusou confessar uma alegada conspiração contra a administração da prisão. 

Três homens submeteram-no a abusos sexuais violentos contínuos.

"Por 10 minutos bateram-me, rasgaram as minhas roupas. E, digamos, nas próximas duas horas eles violaram-me a cada dois minutos com cabos de esfregona", recorda o antigo recluso acrescentando que "quando desmaiava" a tortura não terminava.

"Quando eu desmaiava, eles atiravam-me água fria e atiravam-me novamente para cima da mesa", recorda num relato que mostra a violência dos abusos. 

Dois meses depois, Makarov voltou a ser submetido a abusos violentos. O homem foi coagido a pagar 50.000 rublos (perto de 800 euros) aos seus agressores e diz que foi violado para que se mantivesse em silêncio sobre a situação.

Além de tudo isto, os abusos eram filmados para que as autoridades prisionais tivessem na sua posse imagens que ameaçavam partilhar com toda a população prisional caso não fossem cumpridas as suas exigências. 

Makarov disse à BBC que os violadores eram outros presos a mando dos chefes da prisão. Para abafar o som dos gritos durante a tortura, era colocada música alta na cadeia. 

Savelyev: o recluso que contrabandeou vídeos que levaram ao escândalo

Em 2021, Sergey Savelyev, então prisioneiro de Saratov, conseguiu contrabandear vídeos para fora da prisão depois de ter acesso às filmagens. 

O homem foi convidado a trabalhar no departamento de segurança da prisão que tinha poucos funcionários e foi obrigado a monitorizar e catalogar as imagens das câmeras corporais que eram, normalmente, usadas pelos guardas prisionais.

Essas mesmas câmaras eram usadas para filmar os abusos. Savelyev foi instruído a guardar as imagens de alguns desses ataques para mostrar ao departamento de segurança e, às vezes, transferia-as para uma unidade para que pudessem ser mostradas a funcionários mais graduados.

Depois de ter descoberto o terror que acontecia à porta fechada, ele começou a copiar os arquivos e a escondê-los.

"Simplesmente passar por isto e não fazer nada é reconhecê-lo como normal", considerou.

Segundo o denunciante, os prisioneiros que levavam a cabo os abusos, a mando das autoridades prisionais, eram, em regra, aqueles que foram condenados por crimes violentos e, portanto, cumprem longas sentenças.

No sentido de conseguirem melhor tratamento por parte dos guardas, os "pressovschiki", como eram apelidados, cumpriam tudo o que lhes era pedido.

Perante o escândalo espoletado pela divulgação das imagens, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu mudanças no sistema prisional, mas o certo é que a tortura nas cadeias ainda não foi criminalizada.  

Leia Também: Embaixadores de Lugansk e de Pyongyang na Rússia discutem cooperação

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