Governo de Tigray nega ter roubado 570 mil litros de combustível ao PAM

A administração estadual de Tigray, negou hoje ter roubado na capital do estado no norte da Etiópia, Mekele, mais de 570.000 litros de combustível ao Programa Alimentar Mundial (PAM), que hoje lhes exigiu a devolução do combustível.

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Lusa
25/08/2022 19:35 ‧ 25/08/2022 por Lusa

Mundo

Etiópia

"O Governo de Tigray não 'roubou' nenhum camião-cisterna", fez saber o departamento da administração da Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF, na sigla em inglês), em resposta ao diretor do PAM, David Beasley, que exigiu às autoridades tigray a devolução de 12 camiões-cisterna carregados com cerca de 570.000 litros de combustível destinados a operações da agência alimentar das Nações Unidas na região.

"Exigimos às autoridades de Tigray que devolvam imediatamente estes 'stocks' de combustível à comunidade humanitária", afirmou o diretor-executivo do PAM, sublinhando que "as próximas colheitas não acontecem antes de outubro, e as entregas de alimentos [por parte da agência da ONU], que salvam vidas, não poderiam ser mais urgentes ou críticas para a sobrevivência de milhões".

A TPLF rejeitou estas "alegações inflamatórias", acrescentando que, há meses, quando o governo etíope impôs um "bloqueio de facto" à ajuda humanitária na região, o PAM "pediu combustível emprestado" aos tigray para poder levar a cabo as suas operações.

A administração tigray argumenta ainda ter emprestado "mais de 600.000 litros de combustível" e exige a sua devolução em conformidade com o acordo então feito com o PAM.

O "saque" ocorreu na quarta-feira de manhã, quando homens armados invadiram instalações pertencentes ao PAM em Mekele, levando 12 camiões-cisterna, de acordo com a agência da ONU.

O Governo etíope qualificou hoje o incidente como um "crime de guerra" e exortou a comunidade internacional a dar "garantias" de que a ajuda humanitária chega aos necessitados em Tigray.

Numa declaração, o PAM sublinhou ser "condenável que milhões de pessoas sejam ainda mais empurradas para a fome pelo recomeço dos combates no norte da Etiópia" e recordou que nos últimos meses, a trégua humanitária permitiu às várias organizações humanitárias chegar a quase cinco milhões de pessoas na região.

"Ontem [quarta-feira], essa linha de salvação foi cortada", lamentou David Beasley, que assinou o texto.

Janez Lenarcic, comissário europeu para a Gestão de Crises, apelou igualmente hoje à "rápida devolução do combustível roubado ao Programa Alimentar Mundial".

"Sem combustível, a entrega de alimentos em Tigray não é possível. As vidas de milhões dependem disso", afirmou no seu perfil na rede social Twitter.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, visto como um aliado da TPLF, também se referiu ao saque, ainda que de forma velada, pedindo "a todas as partes que respeitem o fornecimento de alimentos e combustível por atores humanitários, se abstenham de militarizar a ajuda humanitária e trabalhem para restaurar os serviços básicos destinados aos necessitados".

Em Nova Iorque, o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Stephane Dujarric, explicou que a equipa do PAM no terreno tentou, sem sucesso, evitar o saque de, pelo menos, 12 camiões-cisterna, uma perda que "irá afetar as operações humanitárias de apoio às comunidades em todo o norte da Etiópia".

"Estas reservas de combustível deviam ser utilizadas apenas para fins humanitários, para a distribuição de alimentos, fertilizantes e outros artigos de ajuda de emergência", afirmou o porta-voz de António Guterres, numa conferência de imprensa na sede das Nações Unidas, condenando esta violação ao direito humanitário.

O estado de Tigray voltou a estar isolado pelas forças militares federais depois do reacendimento dos confrontos na madrugada de quarta-feira, limitando a entrega de ajuda humanitária numa área onde mais de dois milhões de pessoas necessitam de assistência urgente. Foram ainda impostos cortes de eletricidade e telecomunicações.

O alto representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, apelou na quarta-feira ao Governo etíope e à administração tigray insurgente da TPLF para que desanuviem as tensões antes que a atual escalada dos combates "se transforme novamente numa guerra em larga escala".

O chefe da diplomacia da UE juntou a sua voz aos apelos à calma, feitos pelas Nações Unidas e pela União Africana no início do dia, depois de ambas as partes em conflito terem confirmado o reacendimento das hostilidades no norte da Etiópia.

A guerra no Tigray eclodiu em 04 de novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército federal para o estado no norte do país, com a missão de retirar pela força os dirigentes locais da TPLF que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.

O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das forças estaduais a uma base militar federal no Tigray, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objetivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.

O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.

O reacendimento dos combates esta quarta-feira marca o fim de uma trégua acordada no final de março e até agora respeitada.

As acusações entre o Governo federal e a administração tigray vinham a subir de tom nos últimos dias, com cada uma das partes a apontar à outra a intenção de retomar as hostilidades, apesar de nos últimos meses ambas reiterarem o respetivo compromisso relativamente às negociações, que ainda não começaram.

Leia Também: Etiópia: EUA pedem negociações e diz que trégua salvou "inúmeras vidas"

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