A partir de Mogadíscio, capital da Somália, Martin Griffiths fez um 'briefing' à imprensa, onde, emocionado, relatou a situação nos hospitais da região, que acolhem bebés e crianças famintas, "tão desnutridas que mal conseguiam falar".
"A fome está à porta. Fiquei chocado nos últimos dias com o nível de dor e sofrimento que vimos tantos somalis sofrerem", disse Griffiths no balanço da sua viagem de cinco dias à Somália.
De acordo com o subsecretário-geral para Assuntos Humanitários da ONU, a fome chegará ao país entre outubro e dezembro, especialmente em duas áreas da região da Baía (distritos de Baidoa e Burhakaba).
Avaliando que o país atravessa uma situação sem precedentes, Martin Griffiths foi perentório ao afirmar que as organizações humanitárias "precisam de mais dinheiro".
"A morte está a acontecer e a situação vai ficar pior. Quando a fome vier, ela vai matar. Vai trazer doenças. (...) Precisamos de levar nutrição, água, alimentos para as pessoas que estão em risco de fome", frisou.
"Repito: este é um aviso final para todos nós. A situação e as tendências assemelham-se às vistas em 2010-2011, naquela crise. Só que agora estão piores", observou o chefe humanitário da ONU.
Griffiths mostrou ainda preocupação com a questão das deslocações em massa que estão a acontecer no país, temendo que a situação nos locais de onde essas pessoas estão a fugir seja ainda mais grave.
"Faço o meu melhor para tentar ver o pior. Sempre tentei ir a sítios de horror, como os hospitais a que fui no fim de semana. Temos fotografias que nunca partilharemos com ninguém. (...)O que é especialmente alarmante é que a situação é provavelmente pior nos locais de onde estas pessoas partiram", disse.
"A fome é um problema viral. Se isto não for travado, a situação será muito difícil de controlar", acrescentou o líder humanitário da ONU, reforçando o apelo por doações.
Martin Griffiths sublinhou que o povo da Somália é incrivelmente resiliente e empreendedor, necessitando de dinheiro e meios para fazer a comida surgir no país.
Pelo menos 730 crianças morreram de má nutrição na Somália desde janeiro, e os números podem aumentar nos próximos meses, quando o centro e sul do país entrar em situação de fome, alertou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
"Um milhão e meio de crianças, quase metade de todas as crianças com menos de 5 anos, podem sofrer de má nutrição aguda, e entre eles 385 mil necessitarão de ser ajudados", alertou a responsável da Unicef para a Somália, Wafaa Saeed, salientando que "os números são inéditos".
A responsável do Unicef alertou que, neste país do leste africano, que faz fronteira com Quénia, Etiópia e Djibuti, 4,5 milhões de pessoas necessitam urgentemente de água, numa altura em que os preços deste bem básico aumentaram entre 55 e 85% desde o princípio do ano.
Também houve um aumento dos surtos de cólera, sarampo e diarreia aguda, tudo causado pela crise alimentar e pela falta de água, apontou a líder do Unicef no país, defendendo que a comunidade internacional tem de ajudar.
A ausência de chuvas é o mais recente problema que o país enfrenta, depois de ter passado por décadas de conflito, deslocações massivas da população e, mais recentemente, a forte subida dos preços dos cereais e de outros alimentos básicos, em parte devido à guerra na Ucrânia.
Citada pela agência notícias Efe, Saeed acrescentou que a Somália sofre a terceira seca em apenas uma década, depois de em 2011 terem morrido 260 mil pessoas, na sua maioria crianças, e a atual, com quatro estações consecutivas sem chuvas, pode ser ainda pior, de acordo com a ONU.
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