Durante a campanha para as eleições legislativas em Israel, que terão lugar em 01 de novembro, Lapid disse que, apesar dos obstáculos, acreditava na possibilidade da solução de dois Estados, alegando que "é a melhor decisão para garantir a segurança de Israel".
Na altura, vários analistas olharam para esta declaração como um "ponto de viragem" na política israelita, que poderia ser o "tiro de partida" para colocar um fim a um conflito que dura há várias décadas.
Neste momento, cerca de 700.000 colonos israelitas vivem em Jerusalém oriental e na Cisjordânia, dois territórios ocupados desde 1967 pelo Estado judaico, numa atitude que a Palestina diz ser de provocação e de ameaça à viabilidade de um Estado palestiniano.
A realçar o otimismo de que possa estar a chegar uma nova fase deste conflito, os analistas citam também a posição do Presidente dos EUA, Joe Biden, que na mesma semana, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, se comprometeu com a solução de dois Estados para Israel e a Palestina.
"Os Estados Unidos estão comprometidos com a segurança de Israel. Ponto final. A negociação da solução de dois Estados permanece, na nossa visão, a melhor forma de assegurar a segurança e a prosperidade de Israel (...) e dá aos palestinianos um Estado a que têm direito", disse, inequivocamente, o líder norte-americano.
Mas as primeiras desconfianças surgiram, pouco depois, por parte da Autoridade Palestiniana, cujo Presidente, Mahmoud Abbas, também na ONU, salientou que ainda faltava saber se Israel estaria verdadeiramente interessado em retomar as negociações de paz.
Abbas continua a insistir em que a Palestina "não tem um verdadeiro interlocutor", para conseguir uma solução de paz, acusando Israel de "fingir a vontade de negociar", apesar de ter saudado as declarações de Biden e de Lapid.
"Ficamos agradecidos pelas suas palavras. Mas o teste real para a seriedade desta posição é o regresso do Governo de Israel à mesa de negociações, de imediato", avisou o Presidente palestiniano.
Na verdade, quando o primeiro-ministro israelita defendeu a solução dos dois Estados, nunca se comprometeu em sentar-se à mesa das negociações, muito menos a curto prazo".
Bem pelo contrário, Lapid realçou a necessidade de haver uma transição "pacífica" para essa solução, dizendo que era uma "condição essencial" e deixando a entender que as autoridades palestinianas não davam garantias de estar preparados para assegurar esse clima de paz.
Em resposta, na semana passada, o primeiro-ministro palestiniano, Mohammed Ishtaye, desafiou Lapid a provar que está realmente empenhado nesta solução, com ações concretas.
"Quem diz acreditar na solução de dois Estados deve parar os colonatos, deve levantar o cerco em Gaza, deve abrir Jerusalém", declarou o chefe de Governo da Palestina, mostrando-se muito cético sobre a possibilidade de regresso às negociações de paz.
O mediador da ONU para o Médio Oriente, Tor Wennesland, também reconheceu que as negociações podem não acontecer num futuro próximo.
"Embora saibamos que esta realidade não vai acontecer da noite para o dia, as partes devem agora trabalhar para este objetivo político", disse o diplomata das Nações Unidas, admitindo que ainda há muito trabalho a fazer antes de regressarem as negociações entre Israel e a Palestina.
Wennesland mostrou-se particularmente preocupado com a reação do líder da oposição israelita, o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que acusou Lapid de "colocar os palestinianos no centro do cenário internacional e de voltar a mergulhar Israel no poço da Palestina".
"Lapid quer dar aos palestinianos um Estado terrorista no coração de Israel. Esse Estado vai ser uma ameaça com que teremos de passar a viver", avisou Netanyahu, numa declaração que foi imediatamente saudada por vários outros líderes da direita em Israel.
Depois de ter sido afastado do poder no ano passado, o ex-primeiro-ministro procura agora galvanizar a direita em seu redor, para obter benefícios eleitorais já nas eleições de novembro, onde o seu partido, Likud, se prepara para uma aliança com os partidos ortodoxos de extrema-direita.
Dahlia Scheindlin - analista especializada no Médio Oriente, que trabalha com o 'think-tank' Century International, com sede em Tel Aviv -- diz estar convencida que Lapid sabe da popularidade da sua declaração de apoio à solução de dois Estados, pelo que o seu posicionamento tem, antes de mais, um valor tático eleitoralista.
"De acordo com as sondagens, esta posição dá-lhe boa imagem. Até porque, com essa declaração, Lapid assume finalmente uma posição clara, corajosa e explícita, quando uma das suas debilidades era surgir como um político ambíguo", explicou Scheindlin.
Mas a direita israelita partilha da desconfiança das autoridades palestinianas, sobre a real vontade de o atual primeiro-ministro de Israel colocar em prática este plano e ter condições para negociar com a Palestina.
"Ele não ofereceu nada aos palestinianos. Não falou sobre os colonatos. Não se referiu à ocupação da Cisjordânia. Não respondeu sobre qual será o estatuto de Jerusalém. Não explicou se vai aceitar que a capital da Palestina seja Jerusalém Oriental", denunciou Sami Abu Shehadeh, um deputado árabe com assento no Parlamento israelita.
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