"Trabalharemos com a Igreja em Portugal no momento oportuno, como com todas as Igrejas locais, e esperamos partilhar oportunamente os frutos desse empenho", respondeu a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores às questões da agência Lusa.
Sobre os últimos casos de denúncias recebidas pela Comissão Independente criada pela Conferência Episcopal Portuguesa, a Comissão declarou que a sua política "não prevê comentários sobre questões que estão para além" das suas competências diretas.
"A nova Comissão acaba de ser nomeada pelo Santo Padre e reunir-se-á em breve para seguir as indicações do Papa sobre prevenção, capacitação, apoio às vítimas/sobreviventes e para informar sobre esta área da vida e ministério da Igreja", acrescenta o organismo.
O presidente da comissão é o cardeal Sean Patrick O'Malley desde 2014, um sacerdote conhecido pelas suas batalhas contra os padres pedófilos na diocese de Boston.
"Ao longo dos anos lutou muito mesmo contra a própria resistência do Papa Francisco, que às vezes tendia a minimizar as queixas", disse à Lusa o professor de geopolítica do Vaticano Piero Schiavazzi, da Universidade Link Campus, em Roma.
Nos últimos anos, comissões independentes de inquérito multiplicaram-se por toda a Europa para esclarecer casos de assédio e abuso na Igreja, recolhendo centenas de queixas.
Segundo Schiavazzi, estas comissões são o resultado de "uma mudança de mentalidade na própria Igreja", que antes se concentrava em "minimizar, cobrir, esconder, não tanto para defender os pedófilos, mas porque a principal necessidade da Igreja era não dar escândalo, porque mesmo que houvesse uma pequena mancha, era sempre um desrespeito por todo o bem que centenas de milhares de sacerdotes saudáveis fazem no mundo".
"Temiam que os escândalos pudessem comprometer a imagem do clero e as pessoas não levassem mais as crianças à catequese, às paróquias e aos oratórios", indicou Schiavazzi.
Para iniciar essa mudança, o Papa pediu aos bispos que abrissem as portas às reclamações dos fiéis.
"O problema foi que os protestos contra a Igreja aumentaram porque as vítimas foram tratadas como culpadas e acusadas de terem inventado tudo", adiantou Schiavazzi, citando o caso chileno como exemplo de "má gestão", com casos de encobrimento em que até o papa Francisco afirmou que se tratava de "calúnia".
Quando as provas de um caso em 2018 chegaram, relativo ao encobrimento de um padre acusado de violações em série, Francisco acabou por pedir desculpas e remover todos os líderes do clero do Chile, um "ponto de viragem, quando o Papa decide permitir que as conferências episcopais criem comissões de inquérito independentes".
Até hoje, foram criadas comissões independentes em Portugal, França, Holanda, Espanha e todas recolheram centenas de casos.
A Conferência Episcopal Italiana não instituiu nenhum processo, apesar da multiplicação de apelos na Itália para que esta instituição italiana desse esse passo em favor das vítimas.
Em todas as dioceses italianas, foram criados "centros de escuta" para vítimas de abusos onde se dá "assistência e acolhimento", mas que não substituem as denúncias às autoridades judiciárias, disse à Lusa o arcebispo Lorenzo Ghizzoni, de Ravenna-Cervia, que é presidente do Serviço Nacional para a proteção de menores e pessoas vulneráveis da Conferência Episcopal Italiana.
Se em Itália a ideia de uma comissão independente sobre abusos tem dificuldade a criar raízes, em Portugal a investigação assumiu implicações políticas depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter comentado sobre a investigação dizendo que "400 casos de abuso" não são um número "particularmente alto", declarações pelas quais veio a pedir desculpa.
De acordo com Schiavazzi, o Presidente português "está sob pressão" para organizar o Dia Internacional da Juventude, que se realiza em Lisboa no próximo ano.
"O DIJ é como as Olimpíadas da Igreja, os países católicos competem para ganhá-lo, é um evento que concentra a atenção dos meios de comunicação social mundial nesse país porque o Papa vai lá e chegam jovens de todo o mundo. Daqui a nove meses, o Papa chega a Portugal e o Presidente português não quer arriscar o escândalo a aumentar e o DIJ ser um fiasco porque as crianças de outros países decidem não ir", argumentou.
Para o analista, "foi uma declaração de interesse político nacional" por parte de Marcelo, que "certamente não quer encobrir nem ajudar os pedófilos".
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