Noeleen Heyzer disse na terça-feira à comissão de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU que mais de 13,2 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer em Myanmar (antiga Birmânia), 1,3 milhões estão deslocadas e que os militares continuam as operações usando força desproporcionada, incluindo bombardeamentos, casas e edifícios incendiados, e o assassínio de civis.
Este foi o primeiro balanço feito na ONU desde que Heyzer visitou Myanmar em agosto e se encontrou com o chefe do governo militar, o general Min Aung Hlaing.
Heyzer disse que fez seis pedidos durante a reunião com o comandante-chefe dos militares, incluindo o fim dos bombardeamentos e da destruição de infraestruturas civis; a entrega de ajuda humanitária sem discriminação; a libertação de todas as crianças e presos políticos; a instituição de uma moratória sobre as execuções; garantias sobre as visitas e o bem-estar da antiga líder do país Aung San Suu Kyi, atualmente detida; e a criação de condições para o regresso voluntário e seguro de mais de um milhão de refugiados rohingya que fugiram para o Bangladesh para escapar à repressão militar.
Há cinco décadas que Myanmar tinha definhado sob um regime militar que levou ao isolamento do país e a sanções internacionais. À medida que os generais aliviaram o controlo, culminando na ascensão de Suu Kyi à liderança nas eleições de 2015, a comunidade internacional respondeu com o levantamento da maioria das sanções, permitindo investimento estrangeiro no país.
Um cenário que terminou com o golpe de Estado militar de 01 de fevereiro de 2021, após as eleições de novembro de 2020, em que o partido da Liga Nacional para a Democracia, de Suu Kyi, ganhou com uma esmagadora maioria, que os militares classificaram de fraudulentas.
Grande parte da comunidade internacional, incluindo os Estados membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a que pertence Myanmar, expressaram a sua frustração perante a linha dura que os militares tomaram ao resistir à reforma.
A Junta Militar concordou com um plano da ASEAN de cinco pontos em abril de 2021 para restaurar a paz e a estabilidade no país, mas os militares têm feito poucos esforços para implementar o plano.
O plano exige a cessação imediata da violência, um diálogo entre todas as partes envolvidas, a mediação do processo de diálogo por um enviado especial da ASEAN, a prestação de ajuda humanitária através dos canais da ASEAN e uma visita a Myanmar pelo enviado especial da organização para se encontrar com todas as partes envolvidas.
Heyzer e o enviado especial da ASEAN, Prak Sokhonn, um ministro cambojano, visitaram ambos Myanmar, mas nenhum dos dois foi autorizado a encontrar-se com Suu Kyi.
Heyzer disse à comissão que, "embora haja pouco espaço para inverter a escalada da violência" ou para conversações na atual situação, "há algumas formas concretas de reduzir o sofrimento da população".
"O recente regresso forçado de cidadãos de Myanmar, alguns dos quais detidos à chegada, sublinha a urgência de uma resposta coordenada da ASEAN para enfrentar os desafios regionais comuns causados pelo conflito", defendeu.
Na frente humanitária, Heyzer disse que as principais organizações étnicas armadas e o Governo de Unidade Nacional da oposição lhe pediram para que convocasse um fórum "para facilitar a proteção e assistência humanitária a todas as pessoas necessitadas, em observância do direito humanitário internacional".
A responsável da ONU acrescentou que a situação dos rohingya, e de outros deslocados à força de Myanmar, "continua desesperada, com muitos procurando refúgio através de perigosas viagens terrestres e marítimas".
A violência entre o Exército Arakan e o governo do estado do norte de Rakhine, de onde os rohingya fugiram, mas onde ainda vivem centenas de milhares dos membros desta minoria étnica muçulmana, "escalou para níveis que não eram vistos desde finais de 2020", assinalou.
Leia Também: ASEAN expressa "grande preocupação" com escalada de violência em Myanmar