As manifestações realizadas nas últimas semanas em várias cidades chinesas para contestar a autoridade de Pequim -- que chegaram mesmo a exigir a renúncia do Presidente, Xi Jinping, - foram os protestos mais ousados das últimas décadas, reconheceu Ai Weiwei, citado pela agência de notícias Associated Press (AP).
É "um momento importante", mas é pouco provável que vá mais longe, disse o ativista, lembrando que os desafios ao Partido Comunista Chinês (PCC, partido único) costumam ser violentamente reprimidos, como aconteceu, há dois anos, com o movimento pró-democracia em Hong Kong.
É preciso "ser realista", defendeu, explicando que, na China, "tudo é uma questão de controlo para garantir que toda a nação segue a direção" de Xi.
O ativista, que vive atualmente em Montemor-o-Novo, Évora, assinou um documentário em 2020 intitulado "Coronation" sobre o confinamento decretado em Wuhan, China, onde, em 2019, foi detetado o primeiro caso conhecido de infeção pelo SARS-CoV-2.
Na obra, Ai Weiwei ilustra a resposta oficial do país à pandemia, descrita frequentemente como impiedosamente eficiente e brutal.
A política "zero covid" adotada pelo Governo chinês incluiu medidas duras que, segundo Ai Weiwei, mantiveram algumas pessoas confinadas nos seus apartamentos durante mais de 100 dias seguidos.
Três longos anos de confinamentos e outras restrições severas, juntamente com o desmantelamento das liberdades civis por parte do regime de Xi Jinping, criaram uma "pressão tremenda" na sociedade chinesa que explodiu em 25 de novembro, quando 10 pessoas morreram num incêndio registado num prédio de apartamentos, considerou o dissidente.
Apesar de as autoridades terem negado que a entrada dos bombeiros e a fuga das vítimas foram bloqueadas por portas trancadas e outros controlos antivírus, o caso acabaria por ser o rastilho para o início de uma série de protestos públicos raramente vistos no país.
Nos últimos dias, Pequim atenuou algumas das restrições e hoje, numa aparente resposta aos protestos, anunciou uma série de medidas que revertem as proibições mais duras.
Ai Weiwei advertiu, no entanto, que os protestos foram relativamente pequenos, alguns dos quais envolvendo apenas uma ou duas pessoas ou até um bairro, tendo em conta que o país tem uma população de mais de 1,4 mil milhões de pessoas.
Só o PCC tem "cerca de 100 milhões de membros, todos leais ao regime", referiu.
Embora não tenha esperança de ver uma mudança significativa na China, o ativista reconheceu que os protestos mostram sinais encorajadores e considerou que podem ser "pequenos passos" em direção a um objetivo mais distante.
"Fica claro que a nova geração da China -- estudantes ou jovens trabalhadores -- começam a ter ideias mais claras sobre o tipo de regime que existe na China e isso talvez pode levá-los a exigir uma mudança política", admitiu, alertando, no entanto, que um cenário desses "ainda levará muito tempo para acontecer".
O ativista mostrou-se ainda desanimado com o silêncio internacional face ao clamor por mudanças de alguns chineses, considerando que os governos estrangeiros se mostram mais interessados nas relações económicas com Pequim do que nas questões dos direitos humanos.
Crítico fervoroso do Governo chinês, Ai Weiwei, de 65 anos, foi detido pelas autoridades chinesas em 2011 e esteve preso durante quase três meses. Desde 2015 vive no exílio, tendo-se mudado recentemente para Portugal, onde garante que pretende ficar.
O artista irá participar, no sábado, numa demonstração de apoio aos manifestantes chineses, no Hyde Park, em Londres, estando prevista a distribuição de folhas de papel brancas (que se tornou o símbolo dos protestos na China) que estarão assinadas e com símbolos de oposição à censura pintados com tinta invisível.
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