"O douto despacho recorrido contém ilegalidades que o invalidam. E, porque foram tempestivamente arguidas, tais nulidades e ilegalidades obstam ao conhecimento do mérito da causa e determinam o arquivamento do processo", refere o recurso, enviado ao Tribunal de Recurso e a que a Lusa teve acesso.
A lista de arguidos abrange comissários da CNE no período entre 2006 e 2013, num processo que, segundo foi revelado em tribunal, se relaciona com alegado favorecimento no aluguer de carros para uso pelos comissários.
Entre os arguidos contam-se a atual vice-presidente do Parlamento Nacional, Angelina Sarmento, o atual presidente da Comissão da Função Pública, Faustino Cardoso Gomes, o atual comissário da Comissão Anticorrupção, Sérgio Hornai, o ex-candidato presidencial e antigo padre Martinho Gusmão, atual assessor do Presidente da República, e o atual presidente da CNE, José Belo.
No arranque do julgamento, esta semana, a defesa pediu adiamento do caso, explicando ter enviado em dezembro um recurso para o Tribunal de Recurso, questionando a competência do Tribunal Distrital para avaliar o caso, dada a independência da CNE.
Em causa está o aluguer de carros para acompanhamento das atividades de campanha das eleições de 2007, que ocorreram depois dos conflitos de 2006 e num momento de grande tensão política e de segurança.
Em concreto, o Ministério Público considera ter sido crime a utilização, pelos arguidos, de viaturas pertencentes a familiares que foram alugadas pela CNE para essa utilização.
No recurso, a que a Lusa teve acesso, os arguidos referem que, no momento em que os alegados factos teriam ocorrido, ainda não se aplicava o Código Penal timorense (que entrou em vigor em 2009) e que na lei então em vigor esses factos não eram crime.
"Uma simples leitura do Código Penal indonésio, que vigorava 'de facto' em Timor-Leste no momento da prática dos factos cuja prática é imputada aos arguidos, verifica-se que o mesmo não qualifica como crime factos narrados na acusação do Ministério Público", refere.
"A referência constante da acusação de que a deliberação da CNE aprovada por unanimidade dos votos dos seus membros contraria o regime jurídico do aprovisionamento e que as viaturas alugadas pela CNE em execução daquela deliberação e utilizadas pelos arguidos pertencem a familiares seus não conferem relevância penal aos factos narrados na acusação", sustenta.
Além disso, sublinha, as medidas de prevenção e combate à corrupção, contidas na lei que entrou em vigor sobre esta matéria em 2020, "não podem ser aplicadas retroativamente, como fez a acusação".
Os arguidos sustentam que, mesmo que a decisão da plenária da CNE sobre este assunto violasse o regime jurídico do aprovisionamento, deveria ter sido alvo de recurso contencioso administrativo perante tribunais competentes.
"Ora, sucede, porém, que o Ministério Público não impugnou contenciosamente, mediante recurso contencioso administrativo, dentro do prazo legal de 10 ou 15 dias, a deliberação que diz ser ilegal", refere o texto.
"O decurso do prazo legal de interposição do recurso contencioso daquela deliberação da CNE sem que o mesmo tivesse sido interposto conduz à convalidação daquela, que se converte em caso decidido na via administrativa. Assim, em virtude da convalidação, aquela deliberação da CNE deixou de ser ilegal, para todos os efeitos legais", sublinha.
Além disso, e reiterando a independência da CNE, os ex-comissários referem-se à lei que gere a sua ação, notando que "os membros da CNE são inamovíveis e independentes no exercício do mandato e não respondem pelas decisões que tomarem e votos que exprimirem no exercício das suas funções, nos mesmos termos que os magistrados judiciais".
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