"Temos que desenvolver mecanismos que vão para além da legislação que temos hoje para as redes sociais", disse o juiz conselheiro brasileiro, que falava à agência Lusa no final de uma visita à Universidade de Coimbra, onde foi orador numa conferência.
Para Gilmar Mendes, esses mecanismos não devem apenas versar sobre questões como a pedofilia ou o discurso de ódio, mas também sobre questões que atacam a democracia brasileira, considerando que informações falsas e mentiras que circulam no Brasil foram o "combustível" para atuações como aquelas que aconteceram em Brasília, no ataque à sede dos três poderes, a 08 de janeiro, mas também nos acampamentos junto a bases militares por parte de apoiantes do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
"Temos uma massa de pessoas muito suscetível a esse apelo populista, de promessas que não se vão realizar. O grande problema visível, hoje, são as redes sociais. São o grande instrumento para espalhar ignorância, 'fake news' e ameaças inexistentes", afirmou.
Segundo o juiz do STF, é fundamental que os poderes democráticos prestem atenção a esse tema e perceberem como podem ser "efetivos".
Gilmar Mendes considera que esta problemática torna-se ainda mais gritante no Brasil, fase à desigualdade que grassa num país que tem algumas das "maiores multinacionais de carne do mundo" e ao mesmo tempo "pessoas a correr atrás de camiões com ossos".
Questionado pela agência Lusa sobre como olha para a direita no país, o juiz indicado para o STF pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002 considera que os ataques em Brasília são "uma oportunidade" para a direita brasileira se refazer, "ou, pelo menos, separar-se dessas extremas-direitas e dessas mensagens de violência e virulência".
Notando que há partidos de direita que apoiam o atual Governo de Lula -- "a geringonça brasileira" - e que governadores tidos como próximos de Bolsonaro tiveram "uma conduta exemplar", Gilmar Mendes acredita que se está perante "um momento decisivo" para esse espetro da política brasileira, realçando também que "um segmento grande" dos eleitores que votaram em Bolsonaro não se reveem nos ataques em Brasília.
Sobre a possibilidade de o 'bolsonarismo' afetar os próximos anos da política brasileira, o juiz do STF recordou que há a possibilidade de Bolsonaro se tornar inelegível face às investigações de que poderá ser alvo.
"A ser positiva a ideia de que Bolsonaro se possa tornar inelegível, quem eventualmente representará esse espetro e como?", questionou, referindo que há demasiadas questões em aberto neste momento, nomeadamente em torno das responsabilidades que a cúpula do anterior governo possa ter no projeto de decreto encontrado na residência de um ex-ministro seu, que encenava um golpe de Estado.
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