Como os factos ocorreram antes da expulsão da Rússia do Conselho da Europa, em março de 2022, o tribunal sedeado na cidade francesa de Estrasburgo considerou-se competente para julgar os casos.
O primeiro diz respeito ao defensor dos direitos humanos russo Ruslan Kutayev, segundo a sentença divulgada esta terça-feira pelo TEDH.
Envolvido na realização de uma conferência pelos 70 anos da deportação da população chechena em 1944, reconhecida como ato de genocídio pelo Parlamento Europeu, Kutayev foi interrogado por pessoas armadas e camufladas que o torturaram em fevereiro de 2014.
Kutayev foi espancado e eletrocutado por dois homens que identificou como o vice-ministro do Interior checheno e um funcionário da administração presidencial chechena.
Posteriormente, o ativista foi condenado a quatro anos de prisão por posse de heroína.
O tribunal europeu reconheceu esta terça-feira os maus-tratos sofridos pelo ativista, que "prestou um relato detalhado e coerente, apoiado em provas suficientes", ao contrário da versão oficial do governo russo, que o acusava de posse de estupefacientes.
Desta forma, condenou a Rússia ao pagamento de 52 mil euros a Kutayev por detenções arbitrárias em violação dos direitos à liberdade, segurança e um julgamento justo.
O segundo caso refere-se à família dos jornalistas Zoya Svetova e Viktor Dzadko e os seus filhos Filipp, Tikhon e Timofey Dzyadko.
Em 28 de fevereiro de 2017, a polícia compareceu no apartamento da família com mandado de busca e apreensão de material eletrónico, objetos pessoais e parte do trabalho jornalístico de Svetova.
Pouco depois, esta família descobriu, graças aos seus advogados, que a ordem correspondia a uma investigação criminal de 2003 contra Mikhail Khodorkovskiy, anteriormente um dos empresários mais ricos da Rússia.
Svetova tinha trabalhado na organização sem fins lucrativos Open Russia, fundada por este magnata.
Na sua decisão, o TEDH determinou que os jornalistas "não foram acusados ou suspeitos de qualquer crime" e que o mandado de busca usou termos muito gerais, violando assim o seu direito à vida privada.
O tribunal também reconheceu "uma interferência que não era necessária numa sociedade democrática" no trabalho jornalístico de Svetova e uma violação da liberdade de expressão do repórter.
Os magistrados europeus destacaram ainda "a não participação do governo russo" no processo, lembrando que "os estados são obrigados a cooperar" com o TEDH, algo de que a Rússia não está isenta, embora atualmente já não faça parte do Conselho de Europa.
Neste processo, o tribunal europeu condenou a Rússia a pagar 29 mil euros à família de Svetova e Dzyadko.
Um dia após a invasão, o Conselho da Europa iniciou um procedimento contra Moscovo por ter considerado que "a agessão da Federação Russa contra a Ucrânia" constituía uma "grave violação" dos estatutos da organização, sendo que a saída da Rússia foi oficializada em 16 de março do ano passado.
Com sede em Estrasburgo, o Conselho da Europa foi criado em 1949 e conta agora com 46 membros.
Em 1959, o conselho criou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) para lidar com alegadas violações da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de 1950.
Em 17 de janeiro foi divulgado que a Rússia ia retirar-se das convenções europeias sobre direitos humanos e luta antiterrorismo, de acordo com um projeto de lei enviado ao Parlamento pelo Presidente Vladimir Putin na sequência da saída da Rússia do Conselho da Europa.
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