Espanha e Marrocos assumiram hoje o compromisso de acabarem com discursos e "práticas políticas" que possam "ofender" a outra parte, especialmente em temas relacionados com a soberania sobre alguns territórios.
"Assumimos um compromisso de respeito mútuo pelo qual no nosso discurso e na nossa prática política vamos evitar tudo aquilo que sabemos que ofende a outra parte, especialmente o que afeta as nossas respetivas esferas de soberania", afirmou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em Rabat, onde hoje terminou a primeira cimeira entre os dois países desde 2015.
Madrid e Rabat têm tido conflitos diplomáticos recorrentes ao longo dos anos, alguns deles, envolvendo o Saara Ocidental, antiga colónia espanhola ocupada por Marrocos há quase 48 anos, e os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, que estão no meio de território marroquino e que o país do norte de África reclama, considerando-as "cidades ocupadas".
O delegado da Frente Polisário em Espanha, Abdulah Arabi, condenou as declarações de hoje de Pedro Sánchez em Rabat e considerou que foram "mais além" da posição mais recente assumida pelo Governo espanhol, em abril de 2022, e acabam por reconhecer que o Saara Ocidental faz parte de Marrocos.
Para Abdulah Arabi, que falava à agência de notícias Europa Press, Sánchez "desligou-se" hoje do Direito Internacional e "ignorou" as sentenças do Tribunal de Justiça da União Europeia, que estabelecem que Marrocos e o Saara Ocidental são "territórios separados".
"Estamos perante dois países", afirmou Abdulah Arabi, que lembrou que Marrocos e o Saara Ocidental integram a União Africana de forma independente.
Em abril do ano passado, Espanha mudou a sua posição histórica em relação ao Saara Ocidental, uma antiga colónia espanhola, e reconheceu que a proposta apresentada por Rabat em 2007, para que aquele território seja uma região autónoma controlada por Marrocos, é "a base mais séria, credível e realista para a resolução deste litígio".
Espanha defendia até então que o controlo de Marrocos sobre o Saara Ocidental era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU deveria ser a forma de decidir a descolonização do território.
Em troca, Marrocos reconheceu implicitamente ter fronteiras terrestres com Espanha, ao acordar a instalação de alfândegas em Ceuta e Melilla, que tradicionalmente reclama, considerando-as "cidades ocupadas".
Para a cimeira que hoje terminou em Rabat, o socialista Pedro Sánchez levou 12 ministros, nenhum do parceiro de coligação no Governo espanhol, a Unidas Podemos, que discorda da mudança de posição em relação ao Saara Ocidental.
A líder do partido Podemos (o maior da plataforma Unidas Podemos), Ione Belarra, que é também ministra dos Direitos Sociais, sublinhou hoje que a mudança de posição em relação ao Saara Ocidental foi uma decisão "unilateral" do Partido Socialista espanhol (PSOE).
"Pensamos que esta cimeira vem consolidar uma mudança na posição de Espanha sobre o Saara, uma mudança com que o PSOE avançou de forma unilateral e já dissemos que não havia condições para a nossa participação", disse Ione Belarra.
Na quarta-feira, a ministra já tinha publicado na rede social Twitter textos em que condenava o facto de que "nem o respeito pelos Direitos Humanos na fronteira nem a livre autodeterminação do Saara" estivessem na agenda da cimeira.
"O controlo da imigração, a abertura das alfândegas em Ceuta e Melilla e o aumento da cooperação comercial parecem ser os pivôs de uma reunião celebrada no meio de fortes polémicas por causa do 'Morocogate' e a declaração do Parlamento Europeu na semana passada", escreveu Ione Belarra, que apelou à construção de relações bilaterais baseadas no direito internacional.
A cimeira realizou-se num momento de tensão de Marrocos com a União Europeia, por causa do alegado envolvimento de Rabat no escândalo de corrupção "Qatargate" ou "Morocogate", relacionado com alegados subornos de elementos do Parlamento Europeu.
O Parlamento Europeu aprovou recentemente uma resolução em que pede a Marrocos para respeitar a liberdade de expressão, contra a qual votaram os eurodeputados do Partido Socialista espanhol, liderado por Sánchez.
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