"Quando alguém diz 'derrotar a Rússia', provavelmente não entende o que quer dizer. Porque ninguém, provavelmente no subconsciente, pensa que essa derrota poderia implicar a ocupação da Rússia por tropas da Ucrânia ou outras. Isso é impossível, é um país com armas nucleares", indicou em entrevista por telefone à Lusa o diretor do programa para a Europa de Leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.
"Assim, por 'derrota' provavelmente quer-se significar uma derrota na linha da frente que poderia ajudar a Ucrânia a restabelecer a sua integridade territorial. Mas não uma derrota que atingisse um nível que se tornasse numa ameaça existencial para a Rússia", precisou.
A perspetiva de um desmembramento da Rússia é afastada pelo investigador, que no entanto define a atual situação de "paradoxal".
"Claro que na Rússia se regista a mobilização de centenas de milhares de homens, para que se tornem soldados profissionais, mas é um paradoxo e uma contradição, porque por outro lado o Governo que fala em ameaça existencial é o mesmo que continua a não designar a guerra como uma guerra".
Desta forma, enfatiza, será contraditório falar em ameaça existencial e em operação militar especial.
Arkady Moshes denota outra contradição na posição do Governo russo na sua relação com a sociedade.
"A mobilização da população foi necessária por não existirem voluntários em número suficiente para combater. É um sério sinal da fraqueza da propaganda a nível interno, algo importante para entender".
De momento, considera, os alertas sobre uma "ameaça existencial" não terão um impacto determinante entre a população.
"É complexo, mas a minha análise sobre a tendência e a disposição da opinião pública na Rússia é que o Governo pode considerar que a atual situação implica uma ameaça existencial para a Rússia, mas a maioria do país não pensa assim. Há cidades perto da linha da frente que têm sido bombardeadas, mas a maioria dos russos prossegue com uma vida normal".
Uma situação algo inversa será a registada na Ucrânia, e quando se cumpriram 11 meses de conflito na sequência da invasão russa de 24 de fevereiro de 2022, apesar de Kiev ser apontado por diversos analistas como intérprete de uma "guerra por procuração" com crescente influência política e militar norte-americana, numa lógica de escalada sem fim.
Arkady Moshes, 56 anos, também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia), contesta esta visão.
"Não creio que a Ucrânia seja manipulada, porque a vontade e a disposição para lutar por si e pelo seu país é uma questão nacional. Diria que há um ano ninguém acreditava que a Ucrânia poderia lutar de uma forma tão vigorosa, e sem a vontade para lutar nenhuma influência ou armas norte-americanas seriam capazes de fazer a diferença".
O académico assinala que num conflito com estas características "é preciso haver pessoas prontas a morrer", um fator crucial e que originou equívocos.
"Isso não foi provavelmente entendido pela maioria das pessoas, a começar por Moscovo, mas também nos lembramos como começaram os norte-americanos, a tentar retirar o Governo ucraniano de Kiev", indicou.
"Houve uma má interpretação sobre o empenho dos ucranianos em combater, o fator primordial é a moral das tropas e da população ucranianas e a vontade de combater", concluiu.
Leia Também: "Rússia tornou-se tóxica no ocidente" e perdeu "poder para corromper"