"Lamento profundamente a decisão das autoridades do Mali de declarar o meu representante, Guillaume Ngefa, como persona 'non grata' e ordenar que deixe o país em 48 horas", afirmou Volker Türk, o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos.
A junta militar no poder no Mali desde o último golpe de Estado anunciou no domingo que o diretor da divisão de Direitos Humanos da Missão de Estabilização da ONU no Mali (Minusma) e representante do alto-comissariado no país foi declarado "persona non grata".
Quando a decisão foi anunciada, Guillaume Ngefa já estava fora do país, refere o comunicado emitido hoje pela ONU.
"Preocupado com a intimidação e o assédio que o seu representante enfrentou recentemente nas plataformas dos média", Volker Türk, alerta na nota que a equipa da ONU "nunca deve ser ameaçada ou sancionada por fazer o seu trabalho", baseado na Carta fundadora e nos princípios das Nações Unidas.
No comunicado, a ONU relembra que "há muito" que sustenta que a doutrina da 'persona non grata' não se aplica a seu pessoal. Porque, além do mais, "é contrária às obrigações dos Estados-membros ao abrigo da Carta das Nações Unidas, incluindo as relativas aos privilégios e imunidades das Nações Unidas e do seu pessoal".
"Os direitos humanos são parte integrante da manutenção da paz", frisou Türk.
Por isso, "peço às autoridades que criem um ambiente respeitoso, seguro e propício para o trabalho de direitos humanos no Mali, que é mais crucial do que nunca no contexto atual".
O alto-comissário para os Direitos Humanos "também instou as autoridades malianas a garantirem maior respeito e proteção aos defensores dos direitos humanos".
"Ninguém deve enfrentar represálias por falar sobre questões de direitos humanos", sublinhou.
A Minusma já tinha lamentado "profundamente" na segunda-feira à tarde a expulsão do seu diretor da divisão de direitos humanos e reafirmado o compromisso de trabalhar no país de forma "imparcial", respondendo às críticas da junta militar.
O Governo atribui atividades "desestabilizadoras e subversivas" a Ngefa, incluindo dar voz a supostos representantes da sociedade civil que alimentariam visões "enganosas" do que estaria a acontecer num país cada vez mais próximo da órbita da Rússia.
A Minusma, em comunicado, sublinhou que a proteção dos direitos humanos "é uma componente importante dos esforços de estabilização do Mali" e ofereceu uma "colaboração aberta e transparente" com a junta militar no poder, liderada por Assimi Goita.
Numa reação mais forte, o Governo de França exortou as autoridades do país africano a respeitarem o mandato da missão internacional de forma "abrangente", realçando que isso inclui o controlo do respeito pelos direitos humanos.
Segundo Paris, esta monitorização trouxe a lume "graves violações" atribuíveis a "grupos terroristas" e "mercenários" do Grupo Wagner, uma organização paramilitar pró-Kremlin que tem tentado ocupar o terreno deixado por contingentes militares internacionais, cada vez mais desconfiados da política de Bamako.
A Minusma foi criada em 2013 para ajudar a estabilizar um Estado ameaçado de colapso sob a ofensiva terrorista, proteger os civis, contribuir para o esforço de paz e defender os direitos humanos.
Mas a junta militar no poder está a bloquear abertamente as investigações da Minusma sobre os direitos humanos e os abusos dos quais as forças malianas são regularmente acusadas e, além disso, a situação de segurança no Mali tem continuado a piorar.
No dia 27 de janeiro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu num relatório apresentado no Conselho de Segurança que a atual situação da missão no Mali é "insustentável" sem um aumento do número de tropas no terreno, admitindo também um cenário de retirada total das tropas.
No mesmo dia, o Governo do Mali manifestou relutância em aumentar a dimensão e as capacidades da Minusma.
A decisão de expulsar Ngefa ocorre quando um especialista independente da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Mali deveria realizar uma visita oficial de 6 a 17 de fevereiro antes de apresentar um relatório anual ao Conselho de Direitos Humanos em março.
Leia Também: ONU. Situação humanitária na Ucrânia piorou e é necessária mais ajuda