"Há uma quimera na mente daqueles que participam (...) no que eu chamo uma empresa de fabrico de desinformação", afirmou Afeworki aos jornalistas durante uma visita ao Quénia, sem responder a mais perguntas sobre a presença militar eritreia no Tigray, que faz fronteira a norte com a Eritreia.
As tropas eritreias apoiaram desde muito cedo as forças governamentais etíopes numa ofensiva lançada em novembro de 2020 contra as autoridades estaduais da Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF), no poder na região, um inimigo do regime de Asmara desde há décadas.
Os Estados Unidos e as organizações de direitos humanos acusaram as forças eritreias de cometerem múltiplas atrocidades durante o conflito, incluindo o massacre de centenas de civis.
Um acordo de paz foi assinado em Pretória em novembro de 2022 entre o Governo etíope e a TPLF, mas a Eritreia não participou nas conversações e as suas tropas continuam presentes no Tigray, de acordo com testemunhos locais. O acesso restrito ao Tigray torna impossível a verificação independente da situação no terreno, incluindo a presença de forças da Eritreia.
O acordo de paz inclui o compromisso da deposição das armas pelas forças estaduais do Tigray, que deveria acontecer "simultaneamente com a retirada das forças estrangeiras", numa referência expressa em relação à Eritreia, ainda que o nome do país nunca seja mencionado no documento. As forças do Tigray começaram a entregar as suas armas pesadas em janeiro.
"Não tenho qualquer intenção de interferir neste assunto apesar da campanha de desinformação para tentar perturbar o processo de paz na Etiópia e criar um conflito entre a Eritreia e a Etiópia", afirmou Afewerki quando questionado sobre a presença das suas tropas em território etíope.
"Não usem a Eritreia como pretexto para os problemas da Etiópia ou do resto da região. Não tentem arrastar-nos para isto. Trata-se de uma quimera daqueles que querem fazer descarrilar qualquer processo de paz", insistiu.
A Eritreia, um dos países mais fechados e autoritários do mundo, é governada com "mão de ferro" por Isaias Afewerki desde a sua independência da Etiópia em 1993, e tem uma política militar de alistamento universal por um período ilimitado.
Adis Abeba e Asmara negaram durante meses qualquer envolvimento eritreu no Tigray. No final de março de 2021, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, admitiu finalmente a presença das tropas do país vizinho. A saída destas forças foi anunciada várias vezes, mas nunca verificada.
As tropas eritreias foram acusadas de pilhagem, massacres e violações durante todo o conflito, particularmente na cidade de Aksum e na aldeia de Dengolat.
Um balanço deste conflito, em grande parte combatido à porta fechada, está ainda por ser feito. O enviado da União Africana para o Corno de África, o antigo chefe de Estado nigeriano Olusegun Obasanjo afirmou em meados de janeiro que foram mortas até 600.000 pessoas.
A guerra também deslocou mais de dois milhões de pessoas e mergulhou centenas de milhares em condições de quase fome, de acordo com as Nações Unidas.
Desde a assinatura do acordo de paz, o poder foi restaurado em partes de Tigray, assim como as ligações aéreas.
Em setembro, um conjunto de peritos entregou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório que aponta para que crimes de guerra e crimes contra a humanidade tenham provavelmente sido cometidos por todas as partes envolvidas na guerra em Tigray, incluindo forças de estados vizinhos, como Amhara e Oromia.
Horas antes das declarações da Afewerki hoje em Nairobi, a organização de defesa dos direitos humano Human Rights Watch (HRW) apelou a sanções específicas contra os líderes eritreus, que acusou de recrutarem milhares de pessoas, incluindo menores, para o serviço militar e de punirem as famílias dos refratários.
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