Kosovo celebra 15 anos de independência sem garantir total reconhecimento

O Kosovo celebra na sexta-feira o 15.º aniversário da declaração unilateral de independência com o desafio de normalizar as relações com a Sérvia que recusa reconhecer a autonomia da sua antiga província do sul.

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Lusa
16/02/2023 18:09 ‧ 16/02/2023 por Lusa

Mundo

Kosovo

Nas últimas semanas, os mediadores da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos intensificaram as pressões sobre Belgrado e Pristina para um acordo que evite novos focos de crise em plena guerra na Ucrânia, e quando a Rússia parece não conseguir manter a sua anterior influência na região na sequência da invasão militar de 24 de fevereiro de 2022 ao país vizinho.

Para a maioria albanesa do Kosovo, o dia da independência constitui um momento de orgulho nacional assinalado pela separação da Sérvia, que considera a sua ex-província como "berço" da sua nacionalidade e religião.

As celebrações incluem uma reunião do Governo, seguida de uma sessão solene no parlamento, um desfile das forças de segurança, uma feira do livro, concertos e cerimónias para homenagear os caídos na guerra entre 1998 e 1999 entre os separatistas armados do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças sérvias.

O Kosovo declarou a independência em 17 de fevereiro de 2008, nove anos após uma guerra que provocou cerca de 13.000 mortos, na maioria albaneses, concluída após uma intervenção da NATO à revelia da ONU, que forçou a Sérvia a retira-se da sua antiga província e a aceitar um "protetorado internacional", mas sem perspetivas de independência.

O Kosovo já foi reconhecido por 117 países, após a decisão inicial dos Estados Unidos, o principal aliado de Pristina durante o conflito, Reino Unido e a maioria dos países da UE, à exceção de Espanha, Roménia, Eslováquia, Grécia e Chipre.

Em paralelo, e para além da Sérvia, Rússia e China, com direito a vetar o ingresso do Kosovo nas Nações Unidos, Índia, Brasil, África do Sul ou Indonésia, também não reconheceram a autoproclamação da independência.

Atualmente, os albaneses kosovares e a minoria sérvia vivem em sociedades paralelas, com reduzida inter-relação, e exemplificada pela situação na cidade dividida de Mitrovica (norte), onde as tensões são frequentes.

Em novembro passado, os sérvios retiraram-se das suas funções públicas, desde a polícia ao sistema judicial, no norte de Mitrovica, onde são maioritários, após um ultimato do Governo de Pristina para que utilizassem nos seus veículos as matrículas oficiais do Kosovo e eliminasse as que são emitidas pela Sérvia.

No final de 2022, a Sérvia também pediu à KFOR, força militar multinacional presente no terreno e liderada pela NATO, que enviasse 1.000 dos seus soldados para proteger os sérvios no norte do Kosovo.

Após uma série de ações de Pristina que consideraram "provocatórias", incluindo a detenção de um oficial da polícia, os membros desta comunidade ergueram 16 barricadas que bloquearam estradas no norte. O pedido à KFOR foi recusado.

Entre a desconfiança e as acusações mútuas, a UE promove desde há uma década um diálogo entre a Sérvia e o Kosovo que registou poucos progressos, apesar de a normalização das relações ser decisiva para uma eventual adesão ao bloco europeu.

Um novo plano, elaborado em meados de 2022 pela França e Alemanha e apoiado por Bruxelas e Washington, parece agora registar alguma receção por parte do Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, e pelo primeiro-ministro kosovar, Albin Kurti, na sequência de uma forte pressão dos mediadores ocidentais que ameaçam em particular Belgrado de um prolongado isolamento.

Segundo analistas locais, este plano não garante o reconhecimento formal da soberania, mas em caso de recusa a liderança de Pristina surgiria perante os seus aliados como mantendo uma atitude não construtiva, e quando exigem que não surja um novo foco de instabilidade na Europa em plena guerra na Ucrânia.

Segundo este plano, a Sérvia deverá renunciar a pretensões territoriais no Kosovo, evitando desta forma a eventualidade de um conflito no norte da sua ex-província.

Por sua vez, o Kosovo terá de conceder um certo grau de autonomia à minoria sérvia eslava e ortodoxa -- cerca de 150 mil dos 1,7 milhões de habitantes na larga maioria albanesa de religião muçulmana --, em particular nas áreas da economia, saúde, educação e justiça.

Esta solução foi aprovada pelas duas partes em 2013, mas Pristina, em particular desde a subida ao poder de Kurti, tem-se recusado a cumprir o acordo e exige primeiro o reconhecimento da independência por Belgrado.

Em recentes declarações à agência noticiosa Associated Press (AP), o embaixador norte-americano no Kosovo, Jeffrey M. Hovenier, definiu esta proposta como "um passo interino, que (...) regularizaria as relações em diversos sentidos positivos, e seria de enorme benefício para o Kosovo e a Sérvia".

Líder do nacionalista Movimento Vetëvendosje (Autodeterminação), Kurti construiu a sua carreira política na rejeição da autonomia para a população sérvia local ao advertir que poderia originar a divisão do Kosovo, e no decurso do seu trajeto como líder da oposição organizou violentos protestos contra essa perspetiva.

Muitos albaneses kosovares, em particular os apoiantes de Kurti, consideram que o objetivo dos sérvios consiste em "criar um Estado dentro do Kosovo, como na Bósnia-Herzegovina", numa referência à Republica Srpska (RS), uma das duas entidades deste país vizinho e com elevado grau de autonomia.

Já a analista Laura Kryeziu, também dirigente de uma organização de desenvolvimento, e citada pela agência noticiosa EFE, argumenta que os kosovares são "vítimas do ego político" de Kurti, que acusa de pretender salvar-se a si próprio, e não ao país.

O sociólogo Artan Muhaxhiri, também citado pela EFE, prefere assinalar que "este é o momento ideal para chegar a um acordo já que a Rússia, aliada da Sérvia, está debilitada devido à guerra na Ucrânia".

Para além das turbulências políticas, o Kosovo confronta-se com graves problemas económicos que têm implicado uma forte imigração, em particular entre a população mais jovem, e a necessidade de impor as reformas exigidas pela UE a um dos países mais pobres da Europa.

O antigo presidente Hashim Thaçi e outros quatro destacados dirigentes do extinto UÇK foram detidos em novembro de 2020 e transferidos para o centro de detenção de um tribunal em Haia, nos Países Baixos, onde enfrentam acusações de crimes, tortura e perseguição contra as populações não albanesas do Kosovo, em particular de "etnia" sérvia. Todos negaram as acusações.

Este tribunal especial investiga alegados crimes de guerra e crimes contra a Humanidade relacionados com ações do UÇK durante a após a guerra no Kosovo.

Leia Também: UE pede à liderança do Kosovo que conceda autonomia à minoria sérvia

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