"Tomei a decisão de levar a cabo uma operação militar especial", anunciou o Presidente Vladimir Putin aos russos e ao mundo na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, quando começou a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Putin denunciou as manobras do "Ocidente coletivo" contra a Rússia e disse que não queria repetir o erro de Josef Estaline, que viu a União Soviética ser atacada pelas tropas da Alemanha nazi apesar do pacto de não-agressão que tinha assinado com Adolf Hitler.
"Não cometeremos este erro pela segunda vez", disse Putin na mesma comunicação sobre o início de um conflito que mergulhou a Europa na que é considera a pior crise de segurança desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A intenção de Putin seria que a operação fosse rápida e que a Ucrânia sucumbisse ao poderio do exército russo com uma invasão em larga escala a partir do norte, do sul e do leste, depois de ter concentrado 200 mil soldados junto à fronteira ucraniana nos meses anteriores.
No início, o plano parecia bem encaminhado, com as tropas russas a chegarem perto de Kiev -- mas sem conseguirem cercar a capital -- e a conquista significativa de território ucraniano.
O Presidente da Ucrânia, o antigo comediante Volodymyr Zelensky, recusou uma oferta norte-americana para ir para um local seguro e recorreu às redes sociais e à experiência televisiva para encorajar os ucranianos a defender o país.
Zelensky, que completou 45 anos em janeiro, ganhou muito cedo a guerra mediática a Putin, 25 anos mais velho, com mensagens diárias ao povo e vídeos nas ruas.
Sempre com roupa de tipo militar, falou como chefe guerreiro, mas também como homem de família ao lado da mulher, Olena Zelenska.
A projeção internacional valeu-lhe ser considerado como o Homem do Ano para muitos órgãos de comunicação social, incluindo a Lusa.
Putin, no poder há mais de 20 anos, surgiu quase sempre fechado na fortaleza do Kremlin, em Moscovo, e distante de todos, quer em reuniões por videoconferência, quer a 6 metros de distância, o comprimento da famosa mesa em que se reuniu com o homólogo francês, Emmanuel Macron, ou com o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Cerca de um mês depois da invasão, e após reveses militares humilhantes tendo em conta a desproporção de forças, as tropas russas começaram a retirar-se para o leste e o sul da Ucrânia, e Putin declarou terminada a primeira fase da operação.
A retirada russa revelou imagens que chocaram o mundo: corpos com sinais de execuções sumárias nas ruas de Bucha ou em valas comuns que foram sendo descobertas em vária regiões, o que levou Kiev a exigir um tribunal internacional especial para julgar possíveis crimes de guerra.
A Rússia negou sempre todas as suspeitas e acusou a Ucrânia de usar figurantes para mentir ao mundo.
Após a retirada, Moscovo disse que se iria concentrar na conquista do Donbass, a parte oriental da Ucrânia que engloba Donetsk e Lugansk, cuja declaração unilateral de independência foi reconhecida por Putin pouco antes da invasão.
Os separatistas do Donbass, apoiados por Moscovo, estavam em guerra com Kiev desde 2014, quando a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia, num conflito que já tinha provocado 14 mil mortos até ao final de 2021, segundo a ONU.
À medida que os aliados ocidentais enviavam armas para a Ucrânia, as forças de Kiev foram repelindo os russos e organizaram mesmo uma contraofensiva que lhes permitiu recuperar locais emblemáticos como Kharkiv ou Kherson.
Em 30 de setembro, apesar de a Rússia não ter o controlo total das regiões em causa, Putin declarou a anexação de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, onde se situa a maior central nuclear da Europa.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, chamou-lhe então a "maior tentativa de anexação do território europeu pela força desde a Segunda Guerra Mundial", que corresponde a "uma área aproximadamente do tamanho de Portugal".
Acrescentando às quatro regiões a Crimeia, a Rússia considera ter soberania sobre um quinto do território da Ucrânia, que não é reconhecida por Kiev nem pela generalidade da comunidade internacional.
Kiev exige mesmo a retirada das tropas russas das cinco regiões como pré-condição para eventuais negociações de paz, mas Moscovo responde que a Ucrânia tem de se adaptar à nova realidade.
Com as armas ocidentais, incluindo o sistema móvel de lançamento de mísseis HIMARS, dos Estados Unidos, a Ucrânia parecia ter conseguido alguma supremacia durante algum tempo, mas os russos voltaram a ter alguma iniciativa no final do ano.
Kiev aguarda agora a chegada de tanques de combate, depois de meses de discussão sobre se o seu fornecimento significaria uma escalada no conflito que resultasse num confronto direto da NATO com a Rússia.
Desbloqueado o fornecimento dos tanques, Kiev pede agora caças de combate, mas para já as respostas têm sido ou cautelosas ou negativas, como a dos Estados Unidos -- de certa forma, como aconteceu com o pedido dos tanques.
A guerra contra a Ucrânia, vista com alguma distância fora da Europa, provocou, no entanto, consequências globais, com a ameaça de uma situação de escassez alimentar, dado que os países em conflito são dos maiores produtores agrícolas do mundo.
Com a economia mundial ainda a sair da crise provocada pela pandemia de covid-19, a guerra originou também uma crise energética, dada a enorme dependência europeia da Rússia, e consequente aumento generalizado de preços.
Para já, os analistas são cautelosos sobre o futuro, mas muitos pensam que a ordem internacional das últimas décadas terá terminado com esta guerra, com países como a China ou a Índia a marcarem terreno.
Num entrevista recente à Lusa, o especialista em relações internacionais Miguel Monjardino defendeu que o mundo caminha para uma maior multipolaridade, na qual, "a Rússia será menos influente do que pensava quando começou esta guerra".
[Notícia atualizada às 21h04]
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