Desde a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, que o Reino Unido se tem destacado como um dos mais firmes apoiantes ocidentais da resistência ucraniana, atrás apenas dos Estados Unidos em termos de financiamento e equipamento militar.
No ano passado, o Reino Unido contribuiu com 2.300 milhões de libras (2.600 milhões de euros) em assistência militar mais 400 milhões de libras (450 milhões de euros) em ajuda humanitária.
Antes da invasão, Londres já tinha treinado cerca de 20.000 militares ucranianos no âmbito da "Operação Orbital", lançada em 2015, mas no ano passado intensificou a assistência com armas, munições e equipamento.
O Reino Unido foi pioneiro no fornecimento de armamento, com o envio, logo em fevereiro de 2021, de lançadores antitanque portáteis NLAW e mísseis Javelin, o que reforçou com sistemas anti-aéreos Starstreak, mísseis Brimstone e AMRAAM e veículos blindados.
Recentemente, o anúncio dos britânicos de que iriam enviar 14 tanques Challenger 2 desencadeou um frenesim político e diplomático que resultou no desbloqueio pela Alemanha e Estados Unidos de tanques Leopard 2 e Abrams, respetivamente.
Para Alan Mendoza, co-fundador e director executivo do centro de estudos The Henry Jackson Society, Londres foi instigada por um sentimento nobre de ajuda a uma democracia sob ataque, numa tradição de apoio a países europeus vulneráveis, como fez nas duas Guerras Mundiais.
"Quando o Reino Unido lidera numa situação, não o faz apenas com retórica, mas também com ação", disse à agência Lusa.
Mendoza acredita que o 'Brexit' "permitiu que o Reino Unido traçasse um curso rápido de ação de sanções, sem precisar de se ceder às sensibilidades de outros países europeus", embora aceite que a política de Defesa é uma matéria nacional e não depende da UE.
Este académico acredita que o instinto do antigo primeiro-ministro Boris Johnson contribuiu para a "resposta robusta britânica", que mudou a "recordar ao mundo que o Reino Unido é uma nação forte, tanto diplomática como militarmente, em que se pode confiar para tomar uma posição moral quando se trata de crises globais".
O antigo diplomata Simon Smith, que foi embaixador na Ucrânia entre 2012 e 2015, coloca o apoio a Kiev num contexto de distanciamento anglo-russo, acentuado pelas suspeitas de que Moscovo está por detrás dos envenenamentos em território britânico dos antigos espiões Alexandre Litvinenko, em 2006, e Sergei Skripal, em 2018.
"A opinião pública britânica refletia a confiança de que adotar uma linha forte contra a Rússia não traria danos insustentáveis aos interesses britânicos. Por isso, foi mais fácil para o Governo do Reino Unido do que em alguns outros países da UE [União Europeia] avançar rapidamente para uma política clara e pró-ativa de apoio à Ucrânia", afirmou à Lusa.
Esta flexibilidade ajudou Londres a mexer-se mais rápido do que outros países expostos à Rússia na tomada de decisões sobre o fornecimento de armas e equipamento e, consequentemente, a marcar o ritmo nos anúncios de outros aliados.
"É sempre importante, no desenvolvimento de situações militares como esta, que existam precursores a mostrar o caminho", vinca Smith, atualmente diretor do Programa Eurasia no centro de Estudos de Relações Internacionais Chatham House.
O analista afirma que não foi estar fora da UE que permitiu ao Reino Unido ser mais ágil, invocando a elevada coordenação internacional nesta questão graças às "práticas de consulta e coordenação bem estabelecidas com a vasta comunidade de nações que apoiam a Ucrânia, nomeadamente na NATO e G7".
Simon Smith considera que o conflito na Ucrânia ajudou a aproximar o Reino Unido da UE e a restabelecer relações mais "construtivas e cooperativas" e a mostrar que "sem ser uma 'superpotência', é um país que mantém um grau importante de influência, liderança e capacidade na tarefa de dar uma resposta credível e eficaz a uma grande ameaça à segurança".
Sobre o papel de Boris Johnson, os dois analistas vincam que a posição forte demonstrada beneficiou da anuência dos partidos da oposição, que já tinham corroborado as sanções e críticas ao Kremlin depois da anexação da Crimeia, em 2014.
O consenso político sobre a posição britânica continua, com os sucessores de Johnson à frente do Governo, Liz Truss e Rishi Sunak, a renovarem o compromisso de auxílio ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Porém, Smith recordou que no início de 2022, a "liderança, honestidade e integridade" do então primeiro-ministro já estava sob ataque internamente devido ao escândalo relacionado com festas durante a pandemia covid-19 e outras polémicas, pelo que havia um interesse pessoal em desviar as atenções.
"É provável que um dos seus motivos para as manifestações públicas de apoio à Ucrânia fosse encorajar o argumento entre os seus apoiantes domésticos de que 'não nos podemos dar ao luxo de largar alguém que nos está a liderar fortemente em tempo de guerra'", presume, acrescentando: "Como vemos, isso não funcionou".
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