Um juiz da Audiência Nacional, um tribunal superior de Madrid especializado em casos sensíveis, convocou Carmelo Ovono Obiang, filho do Presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, e chefe dos serviços secretos estrangeiros do país, a prestar declarações no próximo dia 28 de março, segundo o diário espanhol.
O magistrado convocou ainda dois outros altos responsáveis daquele estado-membro da CPLP: Nicolás Obama Nchama, ministro de Estado e chefe da Segurança Interna, e o diretor-geral da segurança presidencial, Isaac Nguema Endo.
Os três mais altos funcionários de segurança da antiga colónia espanhola são suspeitos de terem raptado e torturado quatro opositores equato-guineenses, dois deles com nacionalidade espanhola, e um dos quais morreu em janeiro em circunstâncias pouco claras.
O El País noticia que os advogados dos três altos funcionários equato-guineenses vão recorrer de "táticas dilatórias" e evitar responder à citação do juiz Santiago Pedraz.
No final de dezembro, Carmelo Ovono Obiang foi interpelado pela polícia de investigação espanhola num grande hotel em Madrid, mas o mesmo juiz da Audiência Nacional não emitiu mandado de detenção, limitando-se na altura a informá-lo da queixa que impendia contra si, segundo o jornal.
Carmelo Ovono Obiang regressou de imediato à Guiné Equatorial e dias depois a diplomacia espanhola terá informado o Movimento para a Libertação da República da Guiné Equatorial Terceira República (MLGE3R) que Julio Obama Mefuman, um dos detidos com nacionalidade espanhola, tinha morrido na prisão de Oveng Azem, em Mongomo (cidade fronteiriça com o Gabão), como resultado de tortura, de acordo com um comunicado do MLGE3R.
O processo que corre na Audiência Nacional espanhola foi levantado na sequência de uma queixa do MLGE3R, segundo a qual "o rapto dos quatro ativistas do MLGE3R fazia parte de um plano 'sistemático' do regime de Obiang para raptar opositores que viviam no estrangeiro, transferi-los para a Guiné Equatorial, torturá-los e executá-los", de acordo com o mesmo comunicado do partido.
"Em 29 de dezembro de 2022, depois de mais de um ano de investigação e vigilância, Carmelo Ovono Obiang, filho do ditador, e que segundo a Polícia Nacional [espanhola] teria participado no rapto e tortura dos nossos colegas, foi abordado pela Polícia Nacional no Hotel Meliá Plaza de Castilla, em Madrid. No entanto, devido a uma decisão inesperada e súbita por parte do Tribunal Central de Instrução n.º 5, contra a sua própria resolução judicial de dias antes, e contra os critérios do procurador, decidiu não prender Carmelo Ovono Obiang, notificá-lo da nossa queixa, [tendo] levantado o segredo do caso e deixá-lo ir sem o prender", acusou o MLGE3R.
O movimento da oposição equato-guineense sublinhou ainda que tinha alertado as autoridades competentes espanholas, judiciais e do Governo, que "o regresso à Guiné Equatorial de Carmelo Ovono Obiang em total impunidade levaria a uma represália -- 'uma vingança que claramente iria acontecer' -contra os [seus] militantes", o que se terá confirmado com a noticia da morte de Julio Obama Mefuman no dia 15 de janeiro.
No final de janeiro, o sistema judicial espanhol solicitou o repatriamento do corpo de Obama Mefuman com a finalidade de realizar uma autópsia, mas não obteve qualquer resposta das autoridades equato-guineense até ao momento.
O Governo da Guiné Equatorial afirma que o opositor do regime morreu "num hospital (...) em consequência de doença". Teodoro Nguema Obiang Mangue, o filho mais velho do chefe de Estado e vice-presidente da Guiné Equatorial, acusou a Espanha de "interferir" em assuntos internos do país.
Segundo o El País, que teve acesso aos relatórios da polícia espanhola, os quatro opositores foram raptados no final de 2019 no Sudão do Sul, levados à força para Malabo, a capital da Guiné Equatorial, e alegadamente sujeitos a repetidas sessões de tortura na presença dos três altos funcionários sob investigação.
Segundo o diário espanhol, que em janeiro citou relatos de "duas testemunhas protegidas" e relatórios da investigação policial, os três altos funcionários equato-guineenses chegaram a "participar" nas sessões de tortura.
Obiang é o chefe de Estado há mais tempo no cargo, à exceção das monarquias, e foi reeleito em 20 de novembro último para um sexto mandato de sete anos, com 94,9% dos votos, segundo os resultados oficiais, que a oposição contesta, denunciando irregularidades na votação.
A Guiné Equatorial é, desde a sua independência em 1968, considerada por organizações de direitos humanos um dos países mais corruptos e repressivos do mundo, acusada de denúncias de prisões, torturas de dissidentes e repetidas fraudes eleitorais.
A Guiné Equatorial é membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde 2014.
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