"Tem de haver um pedido de desculpa de todos os lados do espetro político australiano a Timor-Leste. Se a Austrália quer desenvolver uma nova relação nesta região tem de haver um pedido de desculpa pelo passado", afirmou Collaery, em entrevista à Lusa.
"Um crime internacional como este não pode ser varrido para debaixo do tapete. Isto não desaparece até haver um pedido de desculpa de todos os líderes políticos, do passado e do presente, uma garantia que não voltará a haver esta má conduta em direito internacional, nunca, nunca mais", vincou.
Bernard Collaery falava no Palácio da Lahane depois de ser condecorado com o Colar da Ordem de Timor-Leste, atribuído pelo Presidente da República, José Ramos-Horta, em reconhecimento dos seus serviços a Timor-Leste.
"Sem dúvida que é um verdadeiro herói. Alguém que não vendeu a sua alma, a sua consciência, defendeu acerrimamente a testemunha K. Sempre foi um grande defensor da causa de Timor-Leste desde o primeiro dia", disse Ramos-Horta à Lusa.
Collaery foi um de mais de uma centena de cidadãos nacionais e estrangeiros condecorados hoje, por ocasião do 21.º aniversário da restauração da independência de Timor-Leste, cujas comemorações oficiais decorrem no sábado.
O advogado, perseguido desde 2017 pela justiça australiana, está em Timor-Leste na sua primeira viagem ao estrangeiro desde que o polémico caso começou -- teve o passaporte confiscado durante mais de cinco anos.
"A minha quarentena forçada terminou. Espero que o Governo australiano tenha finalmente terminado. E agora estou livre para poder viajar. E devo dizer que estive muito interessado na última eleição [na Austrália], que para mim representava a liberdade da prisão", disse.
Bernard Collaery referia-se à decisão de julho do ano passado do novo procurador-geral australiano, Mark Dreyfus, de retirar a acusação contra o advogado que esteve durante anos a ser julgado por alegadamente ter revelado espionagem de Camberra a Timor-Leste.
Na base do caso contra Collaery está a espionagem que o Governo australiano fez a Timor-Leste em 2004, durante as negociações sobre os recursos do Mar de Timor, tendo instalado material de escuta no Palácio do Governo, em Díli, aproveitando obras no edifício realizadas no âmbito do apoio externo australiano ao país.
Collaery foi acusado de conspirar com um ex-espião, conhecido como testemunha K, para divulgar essas informações classificadas, num caso que causou profundo mal-estar entre a Austrália e Timor-Leste.
Os antigos presidentes timorenses Xanana Gusmão e José Ramos-Horta e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros australiano Gareth Evans apresentaram mesmo depoimentos de defesa de Collaery.
Sob forte pressão, o ex-agente secreto, identificado como testemunha K, acabou por se declarar culpado de violar as leis de sigilo, o que levou a que lhe fosse aplicada uma pena suspensa de três meses em junho de 2020.
"Fiquei muito triste [por causa da testemunha K], mas se a sua identidade fosse filtrada, ele, as crianças e os netos ficariam em risco de vida. Houve um poder completo exercido sobre K pelo Governo australiano. Conseguiu a proteção da família, aceitando a culpa, pela qual o novo governo australiano deveria dar-lhe o perdão", disse hoje Collaery.
O advogado, recebido com aplausos por dezenas de timorenses quando chegou a Díli na sexta-feira, recorda o que diz ter sido o terrível impacto de todo o caso na sua vida pessoal e profissional.
"Fez-me mais velho, fez os meus filhos chorar, fez os meus netos chorar. Foi algo cruel, selvagem, antidemocrático o que a Austrália nos fez aos dois, que nos erguemos pela integridade e honestidade nas nossas relações internacionais. Foi só isso que fizemos", afirmou.
"Para ter depois esse Governo a acusar-nos de espionagem. Algo verdadeiramente hipócrita, porque os espiões verdadeiros não fomos nós", sustentou.
O advogado chega mesmo a defender que Camberra deve aprender com a postura de Timor-Leste, que "sabe como fazer reconciliação e perdão" em vez de continuar a esconder o que fez.
"A Austrália não pode continuar a esconder-se da verdade. Só a verdade pode resgatar a reputação da Austrália na região, não apenas com os timorenses, aqui em Díli", afirmou.
"Para redimir a sua reputação, tem de haver um reconhecimento e um pedido de desculpa de todos os lados e uma promessa firme de que [a Austrália] não voltará a conduzir as suas relações internacionais assim, seja contra um país empobrecido ou um mais rico. Isto não é forma de conduzir negociações para um tratado", advogou.
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