Maputo, 21 jun 2023 (Lusa) - Analistas disseram hoje à Lusa que o encerramento da última base da Renamo, principal partido da oposição moçambicana, passa o "ónus" da manutenção da paz para o Governo, que deve "despartidarizar o Estado" e promover a "inclusão e reconciliação".
"O encerramento da [última] base da Renamo tem o alcance de passar o ónus para o Governo", porque, "o Governo podia continuar a dizer que a Renamo é que não se quer desmilitarizar", afirmou Borges Nhamire, investigador do Instituto para Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), uma entidade de pesquisa independente.
Nhamire assinalou que a desativação da estrutura militar da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), por si só, não garante uma paz duradoura no país, porque a raiz dos conflitos entre o Governo e o principal partido da oposição não é o aparato bélico do movimento.
"A partidarização excessiva do Estado, que eu prefiro chamar captura do Estado, pelo partido Frelimo, que não permite que outras pessoas, outras entidades e outras forças que não sejam do partido também se beneficiem do Estado e dos recursos" são os principais fatores da violência política, acrescentou.
Por outro lado, prosseguiu, a alegada manipulação dos processos eleitorais pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) também constitui uma das causas de fundo da violência armada.
"O conflito com a Renamo é essencialmente baseado em causas políticas" devido às disputas eleitorais, enfatizou aquele investigador, apontando o recente exemplo da alegada "manipulação" do recenseamento para as eleições autárquicas de 11 de outubro.
"A Frelimo não está disposta a deixar de manipular os processos eleitorais", acusou.
Borges Nhamire observou que o sucesso do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) do braço armado da Renamo vai também depender da inclusão social, económica e política dos antigos guerrilheiros do principal partido da oposição e dos seus dependentes.
Por seu turno, João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental (ONG) moçambicana, considerou positivo o encerramento da última base da Renamo, porque o país não pode ter grupos armados, mas alertou igualmente para a necessidade de despartidarização do Estado, visando a inclusão política, económica e social de todos os moçambicanos.
"Por um lado, é muito bom, muito bom mesmo que a Renamo se desmilitarize, porque isto é meio caminho andado para edificarmos um Estado de direito [democrático], porque não podemos ter uma Constituição que funcione com grupos armados no mato a fazer chantagem ao Governo de cada vez que alguma coisa não lhes agrada", sublinhou.
Mas, continuou, a outra "metade do caminho", depois da desmilitarização da Renamo, passa por acabar com a "monopolização" das instituições do Estado pela Frelimo, incluindo os órgãos eleitorais.
"A Frelimo confundiu-se com o Estado, desde que chegou ao poder em 1975. A Frelimo assumiu o monopólio" das instituições públicas, notou.
O partido no poder desde a independência do país, prosseguiu, tem impedido o acesso aos recursos económicos por parte dos moçambicanos que não militam na organização e teme deixar a governação, porque é por esta via que as elites têm acesso às oportunidades económicas.
João Feijó defendeu ainda que os antigos guerrilheiros da Renamo devem ser munidos de meios de sobrevivência para que não caiam novamente na tentação de voltar a pegar em armas.
"Se houver dinheiro para fazer isso, acho que sim", que se devem pagar as pensões anunciadas, mas "se tiverem de ir ao Orçamento do Estado, vai ser complicado" porque, o Estado está muito "fragilizado", em termos financeiros, sublinhou.
O economista Elcídio Bachita também defendeu a redução do peso do partido no poder nas instituições do Estado, visando promover uma reconciliação genuína e a remoção de focos de tensão política e militar no país.
"Para que se mantenha a paz, é necessária a reconciliação nacional, redistribuição de recursos e despartidarização do aparelho estatal, porque foi sempre uma das principais reivindicações da Renamo", destacou Bachita.
O analista descreveu como crucial que a logística militar do principal partido da oposição tenha sido desmantelada para atração de investimentos e melhoria do ambiente de negócios na região centro de Moçambique, porque "ninguém injeta capital onde há homens armados".
"Deu-se um passo fundamental para tornar o centro do país num lugar atrativo para negócios", realçou.
A última base da Renamo foi encerrada em Vunduzi, distrito de Gorongosa, na província central de Sofala, na quinta-feira, mais de 30 anos depois do fim da guerra civil moçambicana.
Participaram na cerimónia o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo, Ossufo Momade.
A cerimónia representou o final do processo de desmobilização de 5.221 guerrilheiros que permaneciam nas bases em zonas remotas e que começaram a entregar as armas há quatro anos - no âmbito do Acordo de Maputo para a Paz e Reconciliação Nacional, assinado em agosto de 2019.
Segue-se a fase de reintegração, que inclui o início do pagamento de pensões aos desmobilizados.
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