"Meto-te uma bala na cabeça". A versão de testemunha da morte de Naël
"Estou chocado com o que aconteceu à minha frente, ao meu amigo."
© CHARLY TRIBALLEAU/AFP via Getty Images
Mundo França
A morte de Naël Merzouk, o jovem de 17 anos baleado fatalmente por um agente da polícia francesa na terça-feira passada, tem ‘incendiado’ aquele país, que degenerou em tumultos, especialmente nos bairros populares das grandes cidades e na cintura metropolitana de Paris. Uma testemunha e amigo do jovem veio agora a público para "dar a conhecer a verdade".
Naël foi morto a tiro quando tentava fugir de uma operação de trânsito em Nanterre, nos arredores de Paris. Segundo a testemunha, que publicou um vídeo a dar conta da sua versão dos factos, há "muitas mentiras nas redes sociais".
O jovem explicou que o grupo tinha um carro emprestado, da marca Mercedes, e decidiu dar uma volta por Nanterre.
"Não estávamos sob a influência de álcool ou de drogas", garantiu, citado pela Sky News.
Os adolescentes seguiam na faixa destinada aos autocarros quando, de repente, repararam que estavam a ser seguidos por motociclos das autoridades. Um dos polícias ter-se-á aproximado da janela do veículo, ameaçando Naël.
"Desliga o carro ou disparo", disse, de acordo com a testemunha.
A mesma fonte adiantou que o agente policial esmurrou Naël com a arma, ação que foi replicada por outro membro daquela patrulha.
"Não te mexas, ou meto-te uma bala na cabeça", terá dito o primeiro agente, enquanto apontava uma arma à cabeça de Naël.
Foi nesse momento que o segundo polícia terá dito ao primeiro para "disparar" contra o adolescente.
Segundo o jovem, Naël foi novamente esmurrado pelo polícia que iniciou aquela interpelação, o que fez com que o adolescente levantasse o pé do travão e o carro avançasse um pouco. O segundo polícia disparou, pelo que Naël acelerou.
"Vi-o em sofrimento, a tremer. Atingimos uma barreira. Estava com medo, por isso saí do carro e fugi. Pensei que também me pudessem balear", confessou.
E complementou: "Estou chocado com o que aconteceu à minha frente, ao meu amigo."
O polícia responsável pela morte de Naël revelou, entretanto, ter ficado "arrasado" com o incidente, e pediu "perdão à família" da vítima.
O procurador de justiça Pascal Prache adiantou que as autoridades tentaram intercetar o adolescente por estar a conduzir um Mercedes com matrícula polaca numa faixa destinada a autocarros. Além disso, o jovem terá alegadamente atravessado um sinal vermelho para evitar ser parado pela polícia, e ficou preso no trânsito. O agente, que foi detido e está a ser investigado por homicídio, disse que temia que algum dos seus colegas ou algum civil fosse atingido pelo veículo durante a fuga de Naël.
Ainda assim, a investigação preliminar levada a cabo por Prache determinou que o uso da arma não foi justificado.
O Ministério do Interior de França atualizou hoje de 994 para 1.311 o número total de detenções feitas na sexta-feira ligadas aos tumultos. De notar que o Governo francês enviou na sexta-feira cerca de 45.000 polícias para todo o país para tentar controlar a violência, mas não conseguiu impedir que, durante a noite, jovens manifestantes entrassem em confronto com forças policiais, ateassem cerca de 2.500 fogos, saqueassem lojas e provocassem ferimentos em 79 agentes.
Segundo o Ministério do Interior, "79 polícias e gendarmes ficaram feridos", cerca de 1.350 veículos foram incendiados, 234 edifícios foram queimados ou danificados e cerca de 2.560 incêndios foram registados na via pública.
Marselha, a segunda maior cidade do sul de França, teve uma noite agitada, o que levou o ministro francês do Interior, Gérard Darmanin, a enviar reforços para a cidade.
A polícia já tinha registado 88 detenções por volta das 02h00 (01h00 em Lisboa) desde o início da noite, com grupos de jovens muitas vezes mascarados e "muito móveis".
As cerimónias fúnebres de Naël começaram hoje com um velório privado, ao qual se seguiu uma cerimónia na mesquita e o enterro num cemitério local.
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