"A decisão de libertar [Félicien] Kabuga é um insulto deliberado às feridas profundas sofridas pelos sobreviventes do genocídio", disse o secretário-executivo da associação Ibuka, Naphtali Ahishakiye, citado pela agência France-Presse.
"Estamos agora a considerar cortar completamente os nossos laços com o tribunal", acrescentou, sublinhando que os sobreviventes estão "extremamente zangados e desapontados".
Kabuga, que segundo as autoridades tem 88 anos, embora afirme que tem 90, é acusado de ter fundado e financiado uma estação de rádio que apelava ao ódio e motivava os assassinos que massacraram cerca de 800.000 pessoas em 1994.
Detido em Paris em 2020, após duas décadas de fuga, o antigo empresário, que se desloca numa cadeira de rodas, foi julgado em setembro perante um tribunal especial para crimes de guerra e declarou-se inocente. O processo foi suspenso em março.
Em junho, apesar de os peritos médicos terem concluído que Kabuga sofria de "demência grave", os juízes decidiram que Kabuga era "incapaz" de ser julgado, mas que, apesar do seu estado de saúde, deveria ser julgado no âmbito de um processo simplificado.
Os juízes do tribunal de recurso "decidiram remeter o processo para a câmara de julgamento com um pedido para que esta ordene uma suspensão indefinida do processo devido à inaptidão de Kabuga para ser julgado".
Os juízes admitem que a decisão "deve ter sido dececionante" para as vítimas e sobreviventes do genocídio de 1994, que "esperaram durante muito tempo que fosse feita justiça", lê-se no acórdão.
Mas "a justiça só pode ser feita através de julgamentos justos conduzidos com pleno respeito pelos direitos dos arguidos", consideram.
Emmanuel Altit, que estava a defender o suspeito, disse que estava satisfeito por ver o fim de um "processo que se tornou sem sentido".
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 800.000 pessoas morreram no genocídio ruandês, a maioria dos quais tutsis, exterminados entre abril e julho de 1994.
"Alinharmo-nos com um tribunal que protege permanentemente os autores do genocídio em detrimento da justiça perdeu para nós, sobreviventes, a razão de ser", disse Ahishakiye. "A nossa cooperação contínua com este tribunal é insustentável - não serve qualquer objetivo", acrescentou.
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