Num 'briefing' aberto do Conselho de Segurança da ONU sobre abusos e violações dos direitos humanos na Coreia do Norte - o primeiro desde 2017 - o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, descreveu situações de "sofrimento humano de tal escala e magnitude" que têm gerado "instabilidade internamente" e "implicações mais amplas".
De acordo com Turk, raramente a Coreia do Norte esteve tão fechada para o mundo como na atualidade, situação que resulta de políticas governamentais inicialmente vinculadas à contenção da pandemia de covid-19, mas que foram ainda mais aprofundadas à medida que a pandemia diminuiu de intensidade.
"Informações recolhidas pelo meu gabinete - inclusive através de entrevistas e de informações públicas emitidas pelo próprio Governo -- indicam uma crescente repressão à liberdade de expressão, privacidade e circulação; a persistência de práticas generalizadas de trabalho forçado; e o agravamento da situação dos direitos económicos e sociais, devido ao encerramento de mercados e outras formas de geração de rendimentos", disse.
De acordo com a ONU, as instituições estatais norte-coreanas continuam a mobilizar à força homens e mulheres, sem remuneração, para manter o funcionamento de setores-chave da economia, como construção, mineração e produção agrícola.
"Essa prática de longa data e profundamente perturbadora de mobilização forçada estendeu-se às crianças, conforme observado pelo Comité dos Direitos da Criança da ONU", explicou Turk perante o corpo diplomático presente na reunião.
Essa mobilização forçada, incluindo para outros países, engloba trabalho fisicamente árduo e às vezes perigoso, medidas mínimas de saúde e segurança, longas jornadas de trabalho sem pausas ou feriados, e remuneração inadequada, uma vez que a maioria dos salários é apropriada pelo Estado.
Dentro do país, parte da população enfrenta "fome extrema e escassez aguda de medicamentos", à medida que os mercados e outros meios privados de geração de rendimentos têm sido amplamente fechados "e essa atividade é cada vez mais criminalizada", apontou o alto comissário.
Até ao momento, segundo as Nações Unidas, as ofertas de apoio humanitário a Pyongyang foram amplamente rejeitadas ou impossibilitadas devido ao encerramento das fronteiras. Atores humanitários internacionais, incluindo a equipa nacional das Nações Unidas, permanecem impedidos de entrar no país, juntamente com quase todos os outros estrangeiros.
"Enquanto no passado o povo da Coreia do Norte passou por períodos de graves dificuldades económicas e, em outros momentos, de severa repressão dos seus direitos, atualmente eles parecem estar a sofrer de ambos" ao mesmo tempo, afirmou Turk.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos indicou ainda que as punições no país - até mesmo para infrações menores - podem ser severas, podendo chegar a graves violações dos direitos humanos, incluindo "execução extrajudicial, desaparecimento forçado numa das prisões políticas do país, ou outras medidas punitivas severamente desproporcionais".
O 'briefing' de hoje foi convocado pelos Estados Unidos (que detém este mês a presidência rotativa do Conselho de Segurança), Albânia, Japão e Coreia do Sul.
Esta reunião decorre num momento de renovadas tensões na península coreana, marcado por recentes testes de mísseis norte-coreanos, incluindo o lançamento do seu mais sofisticado míssil balístico intercontinental.
O regime de Pyongyang tem rejeitado repetidamente as acusações de abusos e culpa as sanções de que é alvo pela terrível situação humanitária que enfrenta.
Também a relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos na Coreia do Norte, Elizabeth Salmón, esteve presente na reunião, denunciando a prioridade dada à alocação de recursos para fins militares, reduzindo assim os recursos já limitados para os direitos humanos da população, uma situação particularmente preocupante para mulheres e meninas, vítimas de violência de género.
"A liderança da Coreia do Norte continua a exigir que os seus cidadãos apertem os cintos para que os recursos disponíveis possam ser usados para financiar o programa nuclear e de mísseis", criticou Salmón.
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