Na quarta-feira, numa conferência de imprensa na Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos demonstrou uma completa falta de "confiança" no número de mortos na Faixa de Gaza, argumentando que, por serem avançados por um ministério liderado pelo Hamas, não tem "noção se os palestinianos estão a dizer a verdade" e que a morte de vidas inocentes é "o preço de travar uma guerra".
As declarações de Joe Biden são sinal de desconfiança num valor que não para de aumentar, perante os milhares de bombardeamentos israelitas ao longo de quase três semanas e as enormes dificuldades humanitárias - desde a falta de alimentos, água potável e medicamentos, ao completo colapso do sistema de saúde pela falta de combustível -, sobre uma população de 2,3 milhões de pessoas que não tem hipótese de sair. Até agora, foram mortas mais de 6.500 pessoas, das quais mais de 2.700 são crianças.
Biden não apresentou quaisquer provas para as suas palavras e, em vez disso, apontou apenas para os dados que lhe foram passados. "O que me têm dito é que não tenho qualquer noção de que os palestinianos estão a dizer a verdade sobre o número de pessoas que morreram. Tenho a certeza que inocentes morreram, e esse é o preço de travar uma guerra", disse.
Esta não é a primeira vez que Biden duvida de informações provenientes da Faixa de Gaza, ou que apresenta informações não verificadas que acabaram por ser desmentidas (como quando disse que "viu" imagens de bebés decapitados que, afinal, não existiam). Mas a credibilidade das autoridades de saúde de Gaza pode ser difícil de comprovar, quando o partido à frente do governo é considerado como uma organização terrorista.
Quão verificáveis são os valores apresentados pelo ministério da saúde de Gaza?
Várias instituições, organizações não-governamentais e órgãos de comunicação social usam regularmente os dados oferecidos pelas autoridades de saúde na Faixa de Gaza, tal como usam os dados oferecidos pelas autoridades de saúde israelitas e pelas autoridades de saúde na Cisjordânia.
Sobre a Faixa de Gaza, a agência das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA na sigla em inglês), tem uma nota no seu site, na qual explica que as informações sobre mortos e feridos civis são recolhidos por staff da OCHA nos locais. "Como é norma, para que um incidente seja introduzido na base de dados, tem de ser verificado por pelo menos duas fontes independentes e verificáveis. Exceções a esta regra incluem incidentes que resultam em feridos israelitas, cuja informação é tipicamente baseada em notícias", diz a organização.
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O Washington Post, num explicador recente, precisamente, sobre o reconhecimento dos valores em Gaza, dá conta que "vários especialistas consideram que os números providenciados pelo ministério são de confiança, dado o seu acesso, fontes e precisão em declarações anteriores".
Ao jornal norte-americano, o diretor da Human Rights Watch para a Palestina e Israel, Omar Shakir, disse que "toda a gente usa os valores do ministério da Saúde de Gaza porque, no geral, provou-se que são verdadeiros", e reiterou que a ONG, uma das mais importantes do mundo na defesa de direitos humanos - e que nesta guerra já verificou o uso de fósforo branco pelas forças israelitas - não usaria os valores do governo local se "houvesse uma propensão para representar desinformação".
Estas dúvidas colocadas pelos Estados Unidos e Israel tornaram-se mais vincadas após um bombardeamento sobre um hospital em Gaza, no qual os palestinianos acusam os israelitas de alvejar intencionalmente a estrutura, depois de terem avisado dias antes que o iam fazer. Israel continua a negar e aponta o dedo a outro grupo de resistência armada, a Jihad Islâmica.
As autoridades em Gaza apontam para um total de 471 mortos na sequência do ataque ao hospital al-Ahli, já que o edifício abrigava centenas de pessoas que tinham fugido do norte da região. Mas os EUA apontaram para um valor mais reduzido e Israel, que não avançou com valores próprios, pediu imagens de corpos que verificassem esse número.
O ministério da saúde de Gaza faz parte do governo do Hamas, que se separou do governo da Cisjordânia em 2007. Esclareça-se que o Hamas é um partido político, que governa Gaza: os ataques levados a cabo no dia 7 de outubro contra Israel foram concretizados pelas Brigadas de Qassam, o seu braço armado. Enquanto a guerra continua, o ministério da Saúde continua a tentar oferecer serviços de saúde, gerir hospitais e profissionais, tarefas que se tornaram mais complicadas com os bombardeamentos e a imposição do cerco na região.
As autoridades de saúde são, ainda, completamente dependentes da ajuda internacional da UNRWA, a agência das Nações Unidas para o apoio a palestinianos refugiados, e outras organizações de saúde. E, além disso, apesar da forte cisão entre a Fatah (que governa a Cisjordânia, através da Autoridade Palestiniana) e o Hamas, a Autoridade Palestiniana continua a alocar uma parte do seu orçamento para serviços de saúde em Gaza.
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