"Autorizar o uso de cartões de identidade emitidos por Pristina (Kosovo) deve-se exclusivamente a razões práticas, com o propósito de facilitar a posição dos indivíduos e permitir a sua liberdade de circulação, no âmbito do Acordo de Liberdade de Circulação alcançado no Diálogo em 2011; não pode ser interpretado como um reconhecimento da independência declarada unilateralmente pelo Kosovo; sem prejuízo da determinação do estatuto final do Kosovo; nem pode ser interpretado como Belgrado a abdicar dos direitos que lhe foram conferidos através da Resolução 1244 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (1999)", lê-se no aviso, visível em vários locais do aeroporto Nikola Tesla.
A poucas semanas de mais umas legislativas -- as eleições do próximo dia 17 de dezembro serão as terceiras em menos de quatro anos e vão ocorrer pouco depois de o Governo de Ana Brnabic (Partido Progressista, como o Presidente Aleksandar Vucic) ter cumprido um ano de mandato -- e quando as divergências políticas entre maioria e oposição estão mais acentuadas que nunca, o estatuto do Kosovo parece ser o único tema que merece unanimidade.
Da esquerda à direita, os partidos rejeitam a independência declarada unilateralmente por Pristina em 2008 e reconhecida por grande parte da comunidade internacional, nomeadamente por 22 dos 27 Estados-membros da União Europeia, incluindo Portugal.
As forças políticas também repudiam o rótulo de 'mal comportado' que consideram que Bruxelas coloca a Belgrado na relação com Pristina.
"A União Europeia devia dar uma reprimenda aos dois lados. (...) Ambos têm adotado políticas perigosas", considerou Borko Stefanovic, do Partido Liberdade e Justiça, pró-europeu e principal força da oposição.
Para o também presidente da comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, os sérvios no Kosovo estão "sob uma enorme repressão do primeiro-ministro [Albi] Kurti, que quer empurrar todos os sérvios para fora do Kosovo".
"Não conseguimos chegar a acordo sobre o estatuto. Eles acreditam que são independentes, nós acreditamos que eles não são independentes. Por isso temos de resolver todos os outros temas, incluindo desbloquear-nos mutuamente e não exercer pressão um sobre o outro", disse o líder da oposição.
Pela Frente Verde-Esquerda -- que integra, juntamente com o Partido Liberdade e Justiça, uma coligação pré-eleitoral para as legislativas antecipadas, reunindo forças pró-europeias e contra a violência -, o deputado Robert Kozman também defende que "tem de haver uma normalização das relações" entre os dois lados.
O primeiro passo cabe ao Kosovo, sustentou: "O governo deve criar a Associação de Municípios Sérvios [acordada há 10 anos, nas localidades de maioria sérvia], que deve ter as bases legais para gerir o desenvolvimento urbano e rural e os sistemas de saúde e de educação".
"Uma vez que o governo do Kosovo faça isso, temos de dar os passos para normalização. É necessário um acordo político adequado. Mas isto não é possível com este tipo de governo [do Presidente Aleksandar Vucic], que colocou as suas políticas em mãos de criminosos e agora temos esta tensão", salientou Kozman.
No diálogo com Pristina, a Sérvia é frequentemente apresentada como "o lado mau", quando "tem sido bastante óbvio que é o lado construtivo", considerou Elvira Kovacs, da Aliança dos Húngaros de Vodjovina, partido minoritário da coligação no poder.
A também presidente da comissão parlamentar para a Integração Europeia aponta que alguns Estados-membros da União Europeia "são agressivos" em relação a Belgrado, o que "não é justo", defendendo que os 27 "também deveriam fazer exigências a Pristina".
À direita, o partido Dveri ('portas'), que integra uma frente nacional-conservadora, afirma que "o único caminho" é que "a província" do Kosovo e Metohija (nome completo) seja "trazida de volta à ordem constitucional da República da Sérvia" e que a NATO "abandone o território".
"O único estatuto que o Kosovo tem e deveria ter, no que diz respeito à Constituição sérvia e às normas internacionais, é fazer parte da Sérvia", sublinha.
Na semana passada, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, esteve no Kosovo e na Sérvia, pedindo aos respetivos líderes passos efetivos na desescalização da tensão e normalização das relações, "essenciais para o caminho europeu".
A Sérvia é candidata à adesão há mais de 10 anos, enquanto o Kosovo formalizou a sua candidatura em dezembro do ano passado -- embora a possibilidade de Pristina se tornar um Estado-membro da UE seja mais difícil, dado o não reconhecimento dos 'Big Five' (Espanha, Grécia, Chipre, Roménia e Eslováquia).
Perante a líder da CE, o Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, reconheceu no entanto "dois grandes obstáculos" à adesão: a relação com o Kosovo e o facto de Belgrado recusar impor sanções à Rússia na sequência da invasão da Ucrânia.
Depois de Von der Leyen defender, em Pristina, que Belgrado deve reconhecer 'de facto' o Kosovo, o chefe de Estado sérvio repetiu que a Sérvia "sabe quais são as suas obrigações e vai cumpri-las", mas recusando qualquer decisão que contrarie a Constituição.
O chefe de Estado sérvio aproveitou também para empurrar a bola para o lado do Kosovo, dizendo esperar que "outros também cumpram as suas obrigações, como é suposto há quase 11 anos", numa referência à criação, pelas autoridades de Pristina, da Associação de Municípios Sérvios.
O conflito entre as forças sérvias e os guerrilheiros do Exército de Libertação de Kosovo (ELK), entre 1998 e 1999, fez perto de 10 mil mortos e acabou com a polémica intervenção da NATO, que bombardeou a capital sérvia. Desde então, a relação mantém-se tensa e conheceu um novo pico de instabilidade em 24 de setembro, quando um polícia kosovar morreu num ataque armado, levando a um reforço das forças da Aliança Atlântica (KFOR) na fronteira.
O Kosovo tem uma população de cerca de 1,8 milhão de habitantes (maioria albanesa) e perto de 120 mil sérvios.
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