O antigo responsável pela diplomacia norte-americana morreu esta quarta-feira, aos 100 anos, "na sua casa em Connecticut", anunciou a sua empresa de consultadoria em comunicado.
Sinal da aura e da influência do ex-governante que dirigiu a política externa dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, este pequeno homem de voz grave e forte sotaque alemão era, apesar da idade avançada, ainda recentemente consultado por toda a classe política e recebido em todo o mundo por chefes de Estado ou convidado para conferências.
O exemplo mais recente foi a visita a Pequim, em julho, para se encontrar com o Presidente chinês, Xi Jinping, que o saudou como um "diplomata lendário", por ter sido o responsável pela aproximação entre a China e os Estados Unidos na década de 1970.
Ninguém deixou uma marca maior na política externa norte-americana da segunda metade do século XX, sendo elogiado pelas suas capacidades de negociação, conseguindo ser tanto sensível como autoritário.
Ao mesmo tempo pragmático e iniciador da "Realpolitik" norte-americana, descrito como um verdadeiro "falcão", Henry Kissinger é uma dessas personagens complexas que atraem a admiração ou o ódio.
O nazismo teve um efeito profundo no jovem judeu alemão Heinz Alfred Kissinger, nascido a 27 de maio de 1923 em Fürth, na Baviera, sul da Alemanha. Acabou por se refugiar nos Estados Unidos com a família aos 15 anos. Naturalizado cidadão norte-americano aos 20 anos, este filho de um professor entrou para o serviço militar de contraespionagem e para o exército norte-americano, e seguiu para a Europa como intérprete alemão.
Após a Segunda Guerra Mundial, desejoso de regressar aos estudos, inscreveu-se em Harvard, licenciando-se em relações internacionais, antes de aí lecionar e de se tornar um dos seus diretores. Foi nessa altura que os presidentes democratas John Kennedy e Lyndon Johnson começaram a aconselhar-se regularmente com este professor, brilhante e ambicioso.
Mas o homem dos óculos de armação grossa impôs-se como o rosto da diplomacia mundial quando o republicano Richard Nixon o chamou para a Casa Branca, em 1969, como conselheiro de Segurança Nacional, depois como secretário de Estado - ocupou os dois cargos de 1973 a 1975 e permaneceu nos Negócios Estrangeiros sob a direção de Gerald Ford até 1977.
Foi então que deu início à "Realpolitik" norte-americana, começando o desanuviar das tensões com a União Soviética e o descongelamento das relações com a China de Mao Tsé-Tung, durante viagens secretas para organizar a visita histórica de Nixon a Pequim em 1972.
Kissinger liderou também as negociações com Le Duc Tho para pôr fim à guerra do Vietname, também no maior secretismo. A assinatura de um cessar-fogo valeu-lhe mesmo o Prémio Nobel da Paz, juntamente com o norte-vietnamita, em 1973. Mas Le Duc Tho recusou o prémio, um dos mais polémicos da história do Nobel.
Os detratores de Kissinger há muito que pediam que fosse julgado por crimes de guerra, denunciando o seu envolvimento em casos como os bombardeamentos maciços no Camboja e o apoio ao ex-Presidente indonésio Suharto, cuja invasão pelas forças indonésias a Timor-Leste causou 200 mil mortos em 1975.
Mas foi sobretudo o papel da CIA na América Latina, muitas vezes por sua instigação direta, que manchou a sua imagem, a começar pelo golpe de Estado de 1973 no Chile, que levou Augusto Pinochet ao poder após a morte de Salvador Allende.
Ao longo dos anos, os arquivos revelaram os contornos e a extensão do "Plano Condor" para a eliminação dos opositores das ditaduras sul-americanas dos anos 70 e 80.
Apesar destes episódios, o autor de "A Ordem do Mundo", de 2014, pai de dois filhos e casado com a filantropa Nancy Maginnes, manteve-se sempre influente.
Em janeiro de 2023, apelou à continuação do apoio à Ucrânia, que, na sua opinião, deveria aderir à NATO.
Leia Também: China. Morte de ex-secretário de Estado Henry Kissinger é "enorme perda"