Em 2023 houve uma convergência de ameaças à paz, segurança e estabilidade em África, com os bem-sucedidos golpes militares na região do Sahel e no Gabão.
O ano foi ainda marcado pelo aumento da intensidade da violência fundamentalista islâmica no Burkina Faso, Mali e Níger, além da contestação dos resultados eleitorais no Zimbabué e na República Democrática do Congo (RDCongo).
Na Guiné-Bissau e República Centro-Africana os Presidentes destes dois países, Umaro Sissoco Embaló e Faustin Archange Touadéra, respetivamente, fizeram uma interpretação pessoal do articulado da Constituição dos seus países, tornando-a num instrumento para a defesa dos seus interesses.
Ao longo do ano multiplicaram-se as desconfianças à escala regional, com a RDCongo e o Ruanda à beira de entrarem em confronto.
O agravamento do défice democrático na governação esteve também na origem do prolongamento de transições políticas, que, no caso do Sudão, viu no ano que passou a intensificação de um conflito que opôs generais rivais que antes se tinham unido para pôr cobro à ditadura de Omar al-Bahsir.
Os efeitos das alterações climáticas tornaram ainda mais difícil a vida de milhões no Corno de África, para citar a região mais duramente atingida.
É neste cenário que os chefes de Estado e de Governo dos 55 países membros da União Africana (UA) vão sentar-se à mesma mesa e tentar perceber por que razão o continente continua a ser visto como recetor de ajuda internacional quando tem condições e recursos para alimentar os cerca de 1,4 mil milhões de africanos.
Entre os instrumentos institucionais de que dispõe, a UA conta com o Conselho de Paz e Segurança (PSC, na sigla em inglês) para tentar resolver os desafios mais prementes do continente em matéria de paz, segurança e governação.
Em 2023 o PSC realizou 96 reuniões, incluindo 15 através do seu Comité de Peritos. Destas, 28 debateram crises e países em transição, tendo as restantes sido dedicadas a questões temáticas e atividades estatutárias, incluindo retiros, visitas no terreno e consultas conjuntas.
Em síntese, em 2023 a paz e a segurança em África continuaram precárias e os apelos à retirada do Mali e da RDCongo das forças de manutenção de paz da ONU, bem como a exigência da retirada das tropas da Missão de Transição da União Africana na Somália (ATMIS) não ajudaram a anular a instabilidade e a garantir a resolução de conflitos.
Um relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), um 'think-tank' baseado na África do Sul, diz que, tendo em conta "as terríveis realidades africanas", os temas (debatidos pelo PSC) incluíram a ação humanitária, a governação, a paz e a segurança, a deslocação devido a conflitos em curso, as sanções da União Africana (UA), o financiamento das operações de apoio à paz da UA e as crianças afetadas por conflitos armados.
"No entanto, a preferência continuada pelo debate de questões temáticas, evitando as crises, tem implicações prejudiciais para a influência do PSC nas perspetivas de paz e segurança do continente", defende o ISS.
Dos 15 países que integram atualmente o PSC, 11 -- Burundi, Congo, Djibuti, Gâmbia, Gana, Senegal, África do Sul, Tanzânia, Tunísia, Uganda e Zimbabué - terminam o mandato em 31 de março, e os países que os substituirão, numa lógia de distribuição geográfica representativa do continente, iniciarão o seu trabalho em 01 de abril.
Os restantes quatro -- Camarões Marrocos, Namíbia e Nigéria -- têm mandato até 31 de março de 2025.
Mantendo-se a continuação da mesma lógica de funcionamento e de operacionalidade, os resultados a obter dificilmente serão diferentes e África continuará a debater-se com crises institucionais, golpes de Estado e situações de emergência humanitária.
Leia Também: Bruxelas mobiliza 1,84 mil milhões em ajuda humanitária em 2024