"Não há circulação de viaturas porque o rio Messalo está cheio. Não sei se isso não vai ser um problema para nós, porque os terroristas podem aproveitar-se disso para nos atormentar, por saberem que a ajuda pode chegar, mas de forma demorada", disse hoje à Lusa um residente da localidade de Miangalewa, no distrito de Muidumbe, um dos que foram mais afetados no início da insurgência naquela província, em 2017.
Várias aldeias de Cabo Delgado estão quase inacessíveis, com estradas intransitáveis, devido às fortes chuvas e subida dos caudais dos rios nas últimas semanas, confirmaram as autoridades na quarta-feira.
De acordo com informação da delegação provincial da Administração Nacional de Estradas (ANE) de Moçambique, há pelo menos três troços de estrada afetados pelas chuvas intensas que se fazem sentir em Cabo Delgado, nomeadamente os troços Macomia-Oasse da estrada N380, Meculi-Mazeze da estrada R760 e Metuge-Mahate-Quissanga da estrada R762.
A situação está a limitar o acesso a aldeias no interior de Cabo Delgado, servidas por algumas vias principais.
"Estamos numa situação difícil, não podemos passar por Mahate [em Quissanga] até [ao distrito de] Metuge e vice-versa, só dependemos da via que sobressai na aldeia 19 de Outubro, na estrada principal, e isso nos dá medo, porque os bandidos podem usar isso como motivo para nos atormentarem", disse um residente do distrito de Quissanga.
Em algumas regiões, as comunidades têm apenas uma única via de acesso, cuja circulação de algumas viaturas está condicionada, face às chuvas, situação que inquieta os moradores.
"É complicado usar uma via só. Se os terroristas fecharem, como a gente fica? Os rebeldes circulam por aqui", disse uma outra residente de Quissanga.
Após vários meses de relativo regresso à normalidade nos distritos afetados pela violência armada, a província de Cabo Delgado tem registado há algumas semanas novas movimentações e ataques de grupos rebeldes, provocando novas vagas de deslocados, sobretudo, a partir de segunda-feira, quando moradores de Mazeze, Chiúre-Velho, Mahipa, Alaca, Nacoja B e Nacussa abandonaram as respetivas aldeias percorrendo mais de 20 quilómetros ao longo da Estrada Nacional (EN1), até atravessar o rio Lúrio, fronteira com a província de Nampula, à procura de refúgio no distrito de Eráti (Namapa).
Na quinta-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse que as novas incursões rebeldes resultam de tentativas de grupos armados de recrutar novos membros, considerando que no mês passado a província registou "muita movimentação de terroristas".
O primeiro-ministro de Moçambique, Adriano Maleiane, admitiu, também na quinta-feira, a necessidade de apoio adicional a Cabo Delgado face à fuga de dezenas de pessoas devido aos novos ataques registados naquela província, situação que está a criar "problemas de alimentação".
O grupo extremista Estado Islâmico (EI) reivindicou há uma semana a autoria de um ataque terrorista em Macomia, em Cabo Delgado, e a morte de pelo menos 20 pessoas, um dos mais violentos em vários meses.
A província enfrenta há seis anos alguns ataques reivindicados pelo EI, o que levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos do gás.
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