Numa manhã de Primavera, o ar de Moscovo está fresco mas a cidade cheia de Sol. Pelo meio dia, no cemitério de Borissovsky, uma pequena montanha de flores cobre a campa, rodeada por uma dezena de pessoas, a maioria jovens, em atitude de profunda meditação.
Milhares rodearam no dia 1 de março o cemitério durante o funeral vigiado por um forte dispositivo das forças de segurança russas, mas desde então, a romaria ao túmulo do opositor não tem mobilizado da mesma forma os 13 milhões de moscovitas.
Um dos polícias de plantão junto ao portão disse à agência Lusa que "uns dias vêm mais pessoas, outros menos".
"Mas nunca vimos aqui uma multidão, nem nada que se parecesse. Sim, aos sábados e domingos aparecem mais pessoas, o que se compreende". E tirar fotografias? "Daqui, pode tirar-se as fotografias que se quiser, mas no interior do cemitério, só com autorização especial", advertiu.
O túmulo do ativista político está a escassos metros da entrada principal deste pequeno cemitério no sudeste da capital russa, guardado por um imponente portão de ferro.
Depois de cumprirem a homenagem ao seu político de eleição, as pessoas dão dois passos e estão no passeio exterior.
Igor Alexandrov, que caminhava já para uma paragem de autocarro situada nas imediações, parou para dizer à Lusa que "são momentos de tristeza, porque a vida é também feita deles".
"Senti-me na obrigação de me despedir do Alexei, pois não pude ir ao funeral. Muitos dos meus amigos foram, mas eu não, devido a responsabilidades académicas. Não, os políticos não são todos iguais, Navalny era um lutador nato, não virava a cara ao combate, mesmo que isso fosse perigoso. Tinha ideas claras quanto ao futuro do nosso país, quanto às políticas actuais, que não prestam, quanto à evolução de todos os sectores da sociedade", disse o jovem com cerca de 20 anos, muito concentrado e de olhar direito.
"Agora, não me importa como morreu. Se houve crime, os autores devem ser castigados severamente, mas sempre no quadro da lei. Ao menos, que a imagem de Alexei Navalny perdure como um exemplo, sobretudo, para as gerações mais novas", defendeu Alexandrov.
A morte de um dos mais entusiastas opositores a Putin numa prisão russa encravada no norte siberiano foi anunciada pelas autoridades prisionais a 16 de fevereiro último.
As autoridades declararam, após investigação e autópsia, que o falecimento se dera por causas naturais, enquanto várias personalidades e instituições ocidentais acusaram o Kremlin pelo sucedido.
Quando Igor saía do cemitério, Marina Apukhtina entrava com um ramo de flores na mão, ao qual estava apensa uma pequena imagem do opositor a Putin.
Taciturna, admitiu à Lusa: "Sim, venho prestar homenagem a um herói do nosso tempo".
"Não é fácil ser do contra aqui. Bom, porventura, noutros países também não o será. Mas o que me interessa, como russa, é o meu país. Navalny soube mobilizar as pessoas, soube incutir-lhe certas ideias que, a serem levadas à prática, melhorariam acentuadamente o país. Acho que divulgava ideias frescas, ideias que nos tocavam, que nos ofereciam perspectivas que assustam os políticos de hoje", declarou.
Marina, de olhos tristes e tranquilos, sobressalta-se quando questionada em relação à opinião declarada por Alexei Navalny em relação à "operação especial" russa na Ucrânia, o eufemismo oficial para a invasão de 24 de fevereiro de 2022.
"É verdade que ele disse apoiar a acção militar russa contra a Ucrânia, mas parece-me que só a apoiou nos primeiros tempos. Depois, nunca mais abordou o tema. Aliás, devo dizer que a esmagadora maioria dos russos apoiam Putin nesse aspeto", afirmou, olhando para o relógio.
Pediu desculpa pela falta de tempo, despediu-se e, passados poucos segundos, estava a acrescentar o seu ramo de flores à pequena montanha florida que cobre a campa de Navalny.
As eleições presidenciais russas, às quais Navalny nunca concorreu, mas que eram o seu grande sonho, estão marcadas para o próximo fim-de-semana, de 15 a 17.
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