Demissão do primeiro-ministro não é garantia do fim da crise no Haiti
O Haiti prepara-se para um conselho presidencial de transição, após a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, mas permanecem dúvidas sobre a melhoria da situação no país devastado pela violência de gangues.
© Reuters
Mundo Haiti
Um sinal de que a situação continua longe de estar estabilizada foi a decisão do Quénia, que suspendeu esta terça-feira o planeado envio de agentes policiais para o Haiti, no âmbito de uma missão internacional apoiada pela ONU.
Ariel Henry, que não conseguiu regressar a casa depois de uma viagem ao Quénia, garantiu numa mensagem de vídeo na segunda-feira à noite que continuará a gerir os assuntos do dia-a-dia até que uma "transição do conselho presidencial" seja implementada.
O anúncio foi feito pela primeira vez pela Comunidade das Caraíbas (Caricom) durante uma reunião de emergência na Jamaica com representantes da ONU e dos Estados Unidos em particular, bem como membros de partidos políticos e da sociedade civil haitiana.
A ONU "espera fortemente" que o acordo ajude a acabar com a violência, mas "é muito difícil para nós prever" o que vai acontecer, referiu o porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric.
A União Europeia saudou "os progressos significativos" alcançados durante a reunião na Jamaica e considerou que "uma transição política viável, inclusiva e sustentável liderada pelos haitianos [era] a única opção para colocar o país no caminho da estabilidade".
Este conselho de transição presidencial deve "escolher e nomear rapidamente um primeiro-ministro interino", segundo a Caricom.
Uma das dúvidas é como irão reagir os gangues criminosos, que controlam cerca de 80% da capital.
O líder de um desses gangues armados, o ex-polícia Jimmy Chérizier, conhecido como "Barbecue", ameaçou recentemente uma "guerra civil" caso Ariel Henry não renunciasse.
Pouco antes do anúncio da saída do primeiro-ministro, "Barbecue" afirmou que não reconheceria um "governo formado pela Caricom ou outras organizações".
"Se a comunidade internacional continuar com a sua estratégia de entregar o poder a um pequeno grupo de políticos tradicionais, mergulhará o Haiti no caos", assegurou.
Na terça-feira, uma calma inquietante reinou em Porto Príncipe, apesar de serem ouvidos tiros em alguns bairros, segundo um correspondente da agência France-Presse (AFP) e moradores.
Sem Presidente, nem parlamento, pois o último chefe de Estado, Jovenel Moïse, foi assassinado em 2021, o Haiti não tem eleições desde 2016. Ariel Henry, nomeado por Jovenel Moïse, deveria ter deixado o cargo no início de fevereiro.
As gangues assumiram o controlo de áreas do país de 11,6 milhões de habitantes.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de França anunciou esta terça-feira a retirada do seu "pessoal não essencial", depois de medida semelhante da UE no dia anterior.
Após meses de procrastinação, o Conselho de Segurança da ONU deu o seu acordo em outubro para enviar uma missão multinacional liderada pelo Quénia ao país.
Mas o governo queniano decidiu suspender o envio planeado dos seus agentes policiais, citando uma "mudança radical após o colapso total da lei e da ordem e a demissão do primeiro-ministro".
Washington respondeu imediatamente que não via razão para este adiamento.
O Haiti continua a ser o país mais pobre do continente americano.
O chefe do Programa Alimentar Mundial (PMA) no Haiti, Jean-Martin Bauer, alertou em comunicado esta terça-feira que o país está a passar por "uma das crises alimentares mais graves do mundo - 1,4 milhão de haitianos estão a dois dedos da fome".
Segundo a Organização Internacional para as Migrações, 362 mil pessoas estão atualmente deslocadas no Haiti, um número que aumentou 15% desde o início do ano.
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