Num fórum organizado pelo The Stimson Center, um 'think tank' sem fins lucrativos com sede em Washington, a presidente da Fundação para a Paz no Médio Oriente e ex-oficial do Serviço de Relações Exteriores dos EUA Lara Friedman, , avaliou que há meses que a opinião pública norte-americana vem dando fortes sinais de que não apoia a posição do Governo de Biden, mas que isso não se traduziu em mudanças na política até agora.
"Os protestos em todo o país não são apenas de palestiniano-americanos ou americano muçulmanos. São protestos sobre direitos, valores e justiça social. E isso já vem acontecendo há muito tempo e envolve várias gerações mais jovens", observou Friedman.
Mas nem esse descontentamento, ao qual se juntaram votos de protesto contra Biden nas eleições primárias democratas em alguns estados -- e que ameaçam ter impacto das presidenciais de novembro - , se traduziu em mudanças concretas na política norte-americana, salientou a especialista.
"Todas as organizações sérias dizem que há fome iminente em Gaza e que, provavelmente, já é tarde demais para evitar mortes em massa. Mas, entretanto, assistimos a uma proibição total de financiamento para a UNRWA [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinianos] durante pelo menos um ano. O Congresso acabou de proibir a ajuda à única organização que tem capacidade no terreno para realmente lidar com a fome", frisou.
Paralelamente, esse mesmo projeto de lei aprovado pelo Congresso concedeu cerca de quatro mil milhões de dólares (3,7 mil milhões de euros) "em ajuda militar completamente incondicional a Israel", notou a analista.
Apesar de Joe Biden sugerir, em algumas declarações públicas, que é necessário fazer mais em Gaza, os especialistas ouvidos pelo The Stimson Center não anteveem mudanças e acreditam que isso poderá afetar permanentemente a imagem do executivo.
"E, na ausência de uma mudança na política, não creio que essas declarações realmente façam a diferença para a população que está furiosa ao ver crianças morrer", disse Friedman.
Shibley Telhami, professor no departamento de política da Universidade de Maryland, indicou que se houve um aumento na simpatia por Israel logo após os ataques de 07 de outubro perpetrados pelo grupo islamita Hamas, esse sentimento desapareceu duas semanas depois, face aos ataques indiscriminados em Gaza, especialmente entre jovens democratas.
"Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas (em protesto) e não eram árabes ou muçulmanos. (...) Então, algo grande está a acontecer e acho que a administração - e certamente a campanha eleitoral do Presidente - notaram isso, mas não acho que seja o suficiente para haver uma mudança", avaliou.
Outro dos pontos analisados no fórum foi a abstenção dos EUA numa resolução votada no Conselho de Segurança da ONU e que exigiu um cessar-fogo em Gaza.
Apesar de a abstenção aparentemente sinalizar um endurecimento da posição de Washington em relação a Telavive - após vários meses a opor-se a um cessar-fogo -, a polémica não tardou a instalar-se, depois de o Governo norte-americano declarar que a resolução não terá impacto sobre Israel uma vez que "não é vinculativa".
Tais declarações geraram perplexidade junto de diplomatas e especialistas, que rapidamente criticaram Washington por tal posição e recordaram que, ao abrigo da Carta da ONU, todas as resoluções do Conselho de Segurança são vinculativas e obrigatórias.
Para Lara Friedman, foi "simplesmente desconcertante" ver a administração de Biden a "tentar aliviar a sua abstenção destruindo toda a ideia de responsabilização" detida pelo Conselho de Segurança da ONU, usando "uma linguagem que literalmente destrói o valor dessas medidas".
De acordo com Friedman, pesa ainda contra os EUA o facto de a lei de financiamento norte-americana ditar que não pode ceder ajuda a um país que bloqueia a circulação de ajuda humanitária, apesar das agências no terreno em Gaza garantirem que Israel está a travar essa ajuda vital.
No fórum participou também Mairav Zonszein, jornalista israelo-americana e analista do International Crisis Group, que, a partir de Israel, apresentou detalhes sobre a perspetiva israelita deste conflito.
Segundo Zonszein, em Israel não é dada "tanta atenção ao desastre em Gaza", com os holofotes maioritariamente virados para a forma como os israelitas devem recuperar a sua segurança e uma liderança política em que acreditem.
Apesar de o Governo de Benjamin Netanyahu continuar empenhado em remover o Hamas como potência militar e como poder governante de Gaza, a jornalista advogou não ver avanços estratégicos a ocorrer.
"Israel não tem uma estratégia para definir quem deverá preencher o vazio quando o Hamas não estiver mais em Gaza, e a fome em massa que estamos a ver, assim como o sofrimento da população, são resultado desta incapacidade de encontrar uma alternativa", analisou, acrescentando que Netanyahu "está interessado numa guerra sem fim".
"Não vejo neste momento outro caminho que não seja a ocupação prolongada de Gaza", disse a analista, antevendo a possibilidade das Forças de Defesa de Israel começarem a administrar a vida quotidiana no enclave palestiniano.
A jornalista apontou ainda que a perceção que reina entre israelitas é que Netanyahu não está realmente interessado num acordo para recuperar os reféns detidos pelo Hamas, assim como também não está interessado em qualquer tipo de cessar-fogo, porque isso "daria tempo às pessoas para reorientarem os seus esforços para tirá-lo do cargo", num momento em que a "maior parte do país quer o atual primeiro-ministro fora do cargo e responsabiliza-o pelo que está a acontecer".
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