"O que o Irão precisava era sentar-se e dialogar, debater e ouvir"

As divisões na sociedade iraniana geradas após a morte da jovem Mahsa Amini (2022) foram uma oportunidade perdida para se fazerem reformas no Irão, gerando um movimento de contestação que se tornou "descontrolado e monstruoso", defendeu uma analista.

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Lusa
10/04/2024 11:50 ‧ 10/04/2024 por Lusa

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Irão

As palavras são da escritora, investigadora e conferencista independente Ghoncheh Tazmini, nascida em Teerão e cuja família se mudou para Londres três anos antes da revolução iraniana (1979) que transformou o Irão, até então uma monarquia autocrática pró-ocidental liderada pelo xá Mohammad Reza Pahlevi, numa república islâmica teocrática sob o comando do ayatollah Ruhollah Khomeini.

Numa entrevista à agência Lusa, Tazmini, que vive atualmente entre Portugal, Canadá e Reino Unido (tem tripla nacionalidade -- iraniana, portuguesa e canadiana), lembrou que a revolução islâmica não foi e não é, um quadro perfeito para as mulheres.

"O facto de as mulheres terem reivindicações, de tirarem ou não o véu, de serem a favor ou contra o 'hijab', contra a polícia da moralidade, que levou à infeliz morte de Mahsa Amini, realçou uma questão importante: que havia uma divisão", sublinhou a autora do livro "Power Couple -- Russian-Iranian Alignment In The Middle East", publicado já este ano no Reino Unido.

Para Tazmini, na altura da morte da jovem curda, em setembro de 2022, três dias depois de ter sido detida pela polícia da moralidade por não utilizar o véu corretamente, o que a seguir devia ter acontecido era preparar as bases para, através do diálogo e do debate, acalmar os protestos e as manifestações.

"E o problema é que todo este movimento, que foi feito em nome desta pobre rapariga, poderia ter sido algo fundamental para os iranianos, para o movimento das mulheres no Irão. Devia ter-se limitado à questão do véu, do 'hijab'. Mas depois tornou-se uma questão de segurança nacional, porque o discurso mudou, outros elementos externos envolveram-se, outras entidades começaram a patrocinar o movimento, houve uma violência extrema numa escala que não era propícia à reconciliação nacional, ao diálogo nacional", argumentou.

"O que o Irão precisava, o que teria sido muito progressista, era sentar-se e dialogar, debater e ouvir as mulheres. Infelizmente, o assunto tornou-se uma questão de segurança nacional devido aos poderes externos e aos apelos à mudança de regime, à intervenção ocidental, à intervenção militar. Tornou-se monstruoso e descontrolado, quando esta poderia ter sido uma experiência perfeita de reforma no Irão. Infelizmente, a situação inverteu-se", acrescentou.

Tazmini, diretora de Investigação no Instituto Ravand de Estudos Económicos e Internacionais -- o primeiro grupo de reflexão iraniano independente, apartidário, privado, e não-governamental que se dedica a questões políticas importantes para o Irão -- não houve mudanças e, por causa disso, a situação e o 'status quo' mantêm-se.

"Há mais mulheres nas universidades, no Irão pós-revolucionário, do que antes da revolução. Há mulheres no parlamento, mas é claro que os direitos das mulheres têm de ser desenvolvidos, e isso é algo que é progressivo. Não é de um dia para o outro. É preciso deliberação, diálogo e debate adequados, mas não pode ser feito através da violência, nem com poderes externos. É uma questão interna, tem de ser tratada internamente por entidades internas", defendeu.

Questionada pela Lusa sobre a fraca participação eleitoral nas legislativas de março passado, em que os conservadores iranianos renovaram a maioria no parlamento, numa votação que registou a menor taxa de participação na história recente do Irão (cerca de 42%), Tazmini associou os resultados ao "desencanto" da população por causa das pressões externas.

"Vejo que as pessoas estão a ficar muito desencantadas, mas penso que tem muito a ver com a pressão a que o país está sujeito, as sanções económicas contra o Irão, as sanções primárias, as sanções secundárias, o isolamento, o belicismo", frisou.

"Estes fatores tiveram um impacto extremo na sociedade. Os medicamentos não estão facilmente disponíveis. As taxas de inflação são incrivelmente altas, as pessoas não conseguem viver com isso. Há desemprego. É difícil. O valor da moeda iraniana desceu, o que exerceu uma grande pressão. Mas não podemos simplesmente olhar para isto como uma questão interna, porque isto é um produto da campanha de pressão máxima, do regime de sanções e do isolamento do Irão", concluiu. 

Ghonchreh Tazmini, que reside em Cascais, é uma analista independente, licenciada em Relações Interacionais pela Universidade de British Columbia e pela London School of Economics, de Londres, e com um doutoramento sobre a mesma temática pela Universidade de Kent, em Canterbury. 

Tazmini publicou também "Khatami's Iran" (2007) e "Revolution and Reform in Russia and Iran" (2012), nenhum dos quais foi editado em Portugal.

Leia Também: Repressão teocrática no Irão agrava situação dos direitos humanos

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