Em 01 de maio de 2004 a Estónia aderiu oficialmente à UE e quase duas décadas depois, na última semana de abril de 2024, membros dos partidos com representação no Riigikogu, o parlamento, conversaram com a Lusa sobre a transformação de um país que só conheceu a independência em 1991 e que precisou de fazer uma cisão com meio século de ocupação soviética.
O parlamento está encerrado e não há plenário na última semana de abril, pelo que a maioria dos 101 deputados aproveitou para fazer uma miniférias e preparar a campanha eleitoral que se avizinha, ainda que o nevão incomum para esta altura do ano tenha impossibilitado ações de rua.
No interior do Riigikogu, Hendrik Terras, deputado do Estónia 200, recebeu a Lusa no seu gabinete. O parlamentar com apenas 30 anos está a encabeçar um partido que tem pouco mais de cinco anos, mas já 'carimbou' um lugar na história política do país ao constituir uma coligação com o Partido Reformista da Estónia, da primeira-ministra Kaja Kallas, e o Partido Social-Democrata, uma 'geringonça' mais ao centro que, em princípio, aguentará até 2027, mas com a particularidade de incorporar ministros dos três partidos.
"Tinha 11 anos [quando o país aderiu à UE], foi uma coisa grande e beneficiámos muito disso", recordou Hendrik Terras, enaltecendo a maneira como o país conseguiu "desburocratizar-se".
"Comparando com outros países, a Estónia está muito à frente: tudo, desde as nossas informações médicas, toda a nossa documentação, está acessível através de uma plataforma e tudo é feito em cinco minutos", sustentou, comparando, por exemplo, "com a Alemanha, onde em dois minutos nem dá para abrir o envelope para tratar dos impostos".
Mas "há um problema com o défice", lamentou.
De acordo com os dados preliminares do Instituto de Estatística da Estónia, em 2023 o défice da administração pública era de 3,4% e o nível da dívida era de 19,6% do produto interno bruto (PIB).
"Não desempenhámos um papel no agravamento do défice, mas podem desempenhar um para apagá-lo", considerou Hendrik Terras.
Tanel Kiik, deputado do Partido Social-Democrata, o outro partido parceiro de coligação que faz aguentar o partido de Kaja Kallas, considerou que no país persiste uma discrepância de desenvolvimento.
"Há uma grande diferença, se olharmos bem. Para quem vive em Tallinn ou Tartu, essas áreas e os subúrbios estão a crescer, mas a maioria dos municípios estão a perder população. Isso é evidente nas áreas mais pequenas e rurais". A falta de emprego, de serviços de saúde e opções de lazer estão na base do êxodo que está a verificar-se no país, salientou.
"Nessas áreas o desemprego é maior e as pessoas estão insatisfeitas com as suas vidas. Isso é um problema para nós [...], está tudo demasiado centralizado", criticou, no seu gabinete no último piso do Riigikogu.
Uns andares abaixo, no bar do parlamento, Vadim Belobrovtsev, do Partido do Centro da Estónia, reconheceu à Lusa que o melhor que a adesão à UE trouxe foi os fundos europeus: "Graças ao dinheiro da União Europeia construímos edifícios e estradas".
Apesar do crescimento e de o Governo promover a Estónia como um 'hub' de 'startups' na Europa, o deputado do centro apontou baterias ao Partido Reformista da Estónia e às promessas que ficaram por cumprir.
"Tinham dito que em 15 anos seríamos um dos cinco países mais ricos da União Europeia. Infelizmente, essa não é a realidade e não somos sequer um dos 20 países mais ricos da UE", criticou, reconhecendo, contudo, que em duas décadas a "tendência é positiva".
Mas entre os dois partidos da coligação e a oposição que já foi Governo há uma posição consensual: fazer parte da União Europeia foi a melhor decisão que a Estónia libertada da ocupação soviética tomou.
Martin Helme, do Partido Popular Conservador, defende contudo que a pertença europeia custou ao país a sua soberania: "quando a Estónia referendou a decisão de aderir à União Europeia eu opus-me a essa pretensão [...], sabia que isso iria custar-nos a soberania, estava convencido disso, rapidamente aumentaria a burocracia e incharia o setor público", criticou.
Helme, conhecido por fazer ecoar as posições nacionalistas do seu pai, Mart Helme, reconheceu que "houve um crescimento rápido do PIB ao longo de 20 anos e que o país desenvolveu-se" a um ritmo sem precedentes, mas desvalorizou que a UE tenha influenciado esse processo: "Podia ter ocorrido se não tivéssemos aderido. Nunca saberemos."
A adesão à UE também "importou ideologias radicais" para a Estónia que de acordo com o líder partidário prejudicaram a sociedade estónia, como a "destruição da família tradicional, o multiculturalismo, que não estava presente na Estónia até à adesão".
"E há sempre o problema de imigração para a Estónia. Já tínhamos sofrido com isso durante a ocupação soviética. A União Soviética tinha uma política de trazer o maior número de pessoas de outras partes da União Soviética para a Estónia, por isso este assunto é muito sensível para nós", advogou, sem apresentar evidências que consubstanciem as alegações do problema atual com a imigração.
E adensou as críticas a Bruxelas: "A solução da Comissão Europeia para tudo é sempre retirar a soberania dos Estados-membros e depois fica tudo uma confusão. Foi assim com as vacinas [contra a Covid-19], com a imigração, com a saúde e finanças. A ideia da UE é centralizar tudo e acaba por piorar. Por isso também não quero vê-la seguir um caminho de política de segurança comum".
A Lusa fez sucessivos pedidos de entrevista, ao longo de várias semanas, ao Isamaa, partido de extrema-direita, mas não obteve resposta em tempo útil.
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