Na próxima quarta-feira, a Hungria assinala 20 anos de integração na União Europeia (UE), tendo feito parte daquele que foi até agora o maior alargamento do bloco comunitário a um total de 10 países, mas a data é marcada por tensões entre Budapeste e Bruxelas pelo bloqueio de verbas europeias para exigir o cumprimento das normas europeias.
Apesar desta suspensão e das constantes críticas do governo húngaro às atuais lideranças europeias, certo é que a Hungria é dos Estados-membros que mais beneficia com o orçamento da UE, juntamente com Polónia, Grécia, Roménia e Portugal, numa chave de alocação que tem conta as características económicas dos países (nomeadamente as necessidades causadas pela crise da covid-19).
No ano da sua adesão, em 2004, a Hungria recebeu 713,4 milhões de euros e contribuiu com 482,8 milhões, segundo informação da Comissão Europeia consultada pela Lusa.
Em 2022 (ano mais recente com dados disponíveis do executivo comunitário), a Hungria beneficiou de 6.062,1 milhões de euros e contribuiu com 1.476,1 milhões, o que a torna num dos maiores beneficiários líquidos da UE.
Atualmente, com base em dados de 2022 do Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da Hungria é de 17.160 euros, ficando abaixo da média de 34.930 euros da UE, mas regista melhorias face a 2004, quando estes valores eram, respetivamente, de 9.610 euros e de 24.550 euros.
Neste país com 9,5 milhões de habitantes, o salário mínimo mensal é hoje de cerca de 696 euros, sendo o terceiro mais baixo da UE, atrás da Bulgária (477 euros) e da Roménia (663 euros), de acordo com o Eurostat.
De momento, a Hungria tem porém cerca de 21 mil milhões de euros congelados em fundos comunitários, no âmbito da ativação pela Comissão Europeia, em 2022, do mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito, criado para proteger os interesses orçamentais e financeiros da UE.
Bruxelas exige, desta forma, mudanças nas políticas húngaras relacionadas com a independência do sistema judicial e dos media, liberdades académicas, sistema de asilo e direitos das pessoas lésbicas, 'gays', bissexuais, transexuais, 'queer' e intersexo (LGBTQI).
Além disso, a Hungria tem, desde 2018, um processo aberto por degradação do Estado de direito causada pelo governo do primeiro-ministro Viktor Orbán - acusado de enfraquecer a independência judicial, reduzir o pluralismo dos meios de comunicação social, abusar dos poderes de emergência, aprovar legislação anti-LGBTQI e dificultar o asilo - dossiê que ainda não avançou por falta de consenso no Conselho (ao nível dos Estados-membros).
Este panorama contrasta com o contexto político do país aquando da sua adesão à UE. Dados do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea) consultados pela Lusa referem que a representação democrática na Hungria caiu de 0,79 (numa escala até 1) em 2004 para 0,55 em 2024, enquanto a consagração dos direitos (liberdade de expressão, igualdade de género, equidade social) passou de 0,74 em 2004 para 0,63 em 2024.
Também o cumprimento do Estado de direito (independência judicial e luta contra corrupção) baixou de 0,72 em 2004 para 0,53 em 2024.
Segundo a Idea, a Hungria registou "um declínio significativo nos domínios do Estado de direito".
O Parlamento Europeu tem vindo a afirmar que a Hungria não pode, hoje em dia, ser considerada uma democracia plena, sendo antes uma "autocracia eleitoral" governada pelo populista Viktor Órban há 10 anos. Aquando da adesão à UE, o governo era de maioria socialista.
Por seu lado a Comissão Europeia, no seu mais recente relatório sobre o Estado de direito da UE, publicado em meados de 2023, afirmou ver com preocupação a pouca transparência do sistema judicial, a falta de investigações de corrupção relativas a altos funcionários e ao seu círculo, a interferência no financiamento dos media, a utilização constante de medidas de emergência e a existência de obstáculos para organizações da sociedade civil.
A organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras - que já classificou o primeiro-ministro Viktor Orbán como "um predador da liberdade de imprensa" por ter "um império mediático" financiado por si e empresários do seu círculo mais próximo - coloca hoje a Hungria na 72.ª posição no índice sobre liberdade de imprensa, quando em 2004 o país ocupava a 26.ª posição entre 180 países.
Também a organização Humans Rights Watch tem vindo a sublinhar que o governo húngaro "prossegue o seu ataque ao Estado de direito e às instituições democráticas" e fala num "ambiente mediático distorcido", na "discriminação" das pessoas LGBTQI, em "expulsões ilegais de migrantes" e no acesso "quase impossível" ao asilo na Hungria.
No que toca ao asilo, os dados oficiais dão conta de 45 pedidos à Hungria em 2022, num total de 873.680 feitos à UE, já que, para fazer esta solicitação estando fora do país, é necessário deslocar-se às embaixadas húngaras em Belgrado (Sérvia) ou em Kiev (Ucrânia).
Apesar deste contexto, certo é que, para a população húngara, a UE ainda é vista com bons olhos, pois quase metade (46%) dos inquiridos húngaros no mais recente Eurobarómetro, publicado em meados de abril de 2024, dizem ter uma imagem "totalmente positiva" do projeto europeu. Este número compara com 42% em 2004.
Neste 20.º aniversário do início da integração europeia, que marcou uma viragem para o Ocidente após décadas de ocupação soviética, a pró-europeia Hungria vê-se isolada na UE pelo controverso posicionamento do primeiro-ministro húngaro.
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