"Nós temos isso documentado desde 2017. Há crianças que são apanhadas por grupos armados basicamente por causa da fome. Eles seduzem-nas dando-lhes pães, bananas e os bens mais básicos que as famílias não podem garantir", disse a coordenadora do OVV, Glória Perdomo, em entrevista à rádio católica Fé e Alegria Notícias.
A investigadora e ativista dos direitos humanos das crianças e prevenção da violência do OVV notou que esta situação acontece "com crianças afetadas pela separação da família e por crises escolares, que são excluídas ou vítimas de abusos e que vivem em situação de pobreza grave, especialmente desde 2016 e 2017".
"As carências das crianças são entendidas e aproveitadas pelos grupos armados. Eles apercebem-se da sua vulnerabilidade e que podem aliciá-las. Oferecem bens, dinheiro. Fazem sentir que são tidas em conta, dão-lhes apoio e reconhecimento", explicou.
Segundo Glória Perdomo, os grupos armados estão também a utilizar "as adolescentes para recrutar outras raparigas para serem exploradas sexualmente sob a suposta promessa de que vão ser modelos ou vão conseguir um bom emprego para ajudar as famílias".
Explicou ainda que há grupos armados também a utilizar as crianças como mensageiros ou vigilantes, para confrontar outros grupos ou cometer crimes mais graves, sob o pretexto de que são menores de idade e que, por conseguinte, não vão ser detidas ou enfrentar a justiça.
"Estão a enganá-las, porque há responsabilidade penal, se houver um julgamento, mas o adolescente deixa-se seduzir por estes grupos", frisou.
A OVV não divulgou o número de casos documentados, nem de crianças recrutadas pelos grupos armados no país.
Em abril de 2022, uma investigação da ONG Rede de Centros Comunitários de Aprendizagem (Cecodap), criada pelo lusodescendente Fernando Pereira, divulgou um relatório em que dá conta de que a falta de alimentos, a violência doméstica e o abandono escolar são fatores determinantes para que as crianças venezuelanas façam parte de organizações criminosas.
O relatório denuncia grupos criminosos de se aproveitarem das necessidades das famílias nas favelas e diz que a sedução de crianças "é uma forma de escravidão moderna" que acontece muito nos bairros Cota 905, La Vega e El Cementerio, em Caracas.
Na maioria dos casos, as crianças e adolescentes são recrutados de maneira forçada e começam por aprender "cânones de comportamento" que permitem detetar potenciais membros, além de serem utilizados como 'gariteros' (vigilantes) em zonas empobrecidas da cidade capital da Venezuela.
A investigação da Cecodap determinou que existem quatro níveis nas estruturas criminosas: mensageiro, 'garitero', traficante e malandro.
O mensageiro ou moço de recados é responsável pela compra de bens para os chefes da organização criminosa. O 'garitero' é responsável pela vigilância de uma área específica e deve comunicar qualquer anomalia às chefias.
Por outro lado, o traficante tem a seu cargo a distribuição, a venda e a cobrança de subornos, sendo que os malandros são responsáveis pelo controlo de áreas de acordo com as regras do grupo e a execução de atividades criminosas, entre outras.
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