"A decisão do Presidente [Emmanuel Macron] de nomear Barnier pode parecer, com razão, uma solução de conforto, ou de menor incómodo. No entanto, o primeiro-ministro terá obviamente de se distanciar do Presidente da República", num momento de tensão e divisão política sem precedentes em França, disse à Lusa o politólogo francês Emeric Bréhiere, diretor do Observatório da Vida Política da Fundação Jean-Jaurès.
Para o académico, um sinal do distanciamento do novo primeiro-ministro, nomeado por Macron a 05 de setembro, após a "incapacidade do Presidente da República de dividir a Nova Frente Popular (NFP), apesar das tensões que são bem conhecidas no seu seio", será a composição do seu governo.
"O desaparecimento dos conselheiros ministeriais comuns entre o Eliseu e Matignon é já um primeiro sinal" de autonomia do gabinete do primeiro-ministro em relação à Presidência.
Para Emeric Bréhier, "tudo leva a crer, incluindo as últimas declarações do primeiro-ministro, que o governo estará efetivamente constituído no decurso da próxima semana, talvez mesmo com vista à realização do primeiro Conselho de Ministros na quarta-feira, 18 de setembro".
O antigo Comissário Europeu e membro do partido de direita conservadora Republicanos, Michel Barnier, tem a tarefa "árdua" de compor um governo "sem dar a impressão de que se limita a reconduzir os titulares" dos cargos anteriores, com a "escolha obviamente mais limitada" de integrar personalidades de esquerda (NFP, vencedora das eleições legislativas de 07 de julho) na sua equipa governamental, segundo Bréhier.
A experiência de Barnier, de 73 anos, será uma mais-valia na coabitação com o Presidente francês, visto que foi eleito pela primeira vez para a Assembleia Nacional francesa em 1978, e terá agora de enfrentar um Parlamento muito dividido, em que só pode contar com o apoio dos três grupos da maioria presidencial e dos Republicanos.
Porém, "a oposição dos quatro grupos da Nova Frente Popular (NFP) é inevitável nesta fase", já que é incerto o apoio do partido de extrema-direita União Nacional (RN), de Marine Le Pen, e dos seus aliados, "nomeadamente devido ao calendário jurídico relativo à Frente Nacional (antigo nome do RN) no contexto do processo sobre os assistentes parlamentares no Parlamento Europeu", segundo o politólogo.
Para Christian Le Bart, politólogo do Instituto de Estudos Políticos de Rennes, o primeiro-ministro "está bloqueado" e terá de "encontrar as pessoas certas para os cargos", porque se mantiver "um número significativo de ministros", haverá contestação tendo em conta o resultado das eleições legislativas.
"E se [Barnier] se inclinar demasiado para os Republicanos, todos se ofenderão com o facto de uma família política com 47 deputados estar sobrerrepresentada no governo" e é complicado uma aliança com a maioria presidencial porque as "duas famílias políticas não se dão muito bem", disse Le Bart em entrevista ao diário La Dépêche.
Para o politólogo francês Pascal Perrineau, o primeiro-ministro terá de se emancipar do Presidente francês, porque "prometeu mudanças e ruturas", com a possibilidade de um novo tipo de coabitação, já que "não é o líder da oposição, mas também não é da maioria presidencial".
Michel Barnier será capaz de "fazer ouvi a sua voz" e não será "o principal assessor do Presidente", começando por escolher o seu próprio chefe de gabinete, defendeu o politólogo em declarações à Radio Classique.
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