Uma semana depois, a região de Valência está oficialmente declarada como "zona de catástrofe" pelo Governo de Espanha e há cerca de 15.000 militares e polícias no terreno em tarefas de busca, resgate e limpeza, que se preveem que demorem ainda semanas ou mesmo meses.
Apesar dos recursos no terreno, da reabertura de estradas e do desimpedimento das vias de acessos às localidades que ficaram bloqueadas por carros amontoados, as imagens que as televisões transmitem mostram ainda ruas com lodo e bermas com escombros, vegetação e carros danificados, ao lado de montanhas de móveis estragados e enlameados que entretanto as populações retiraram de casa.
Dominam os relatos com queixas, dirigidas às autoridades, por causa da falta de aviso prévio do temporal e da demora na assistência às populações após as cheias.
Estes são alguns dados, críticas e questões relativas às inundações no leste de Espanha da semana passada:
217 mortos e 89 desaparecidos
As autoridades confirmaram até agora 217 mortos, 213 dos quais na região autónoma da Comunidade Valenciana.
Na região vizinha de Castela La Mancha morreram mais três pessoas e há um morto confirmado na Andaluzia, no sul de Espanha.
Na terça-feira, foi revelado pela primeira vez um número oficial de desaparecidos, que ascendem a 89, com as autoridades a realçarem que há 62 cadáveres nas morgues por identificar, cujas informações serão cruzadas com as dos desaparecidos.
Meios no terreno
Estão nas zonas afetadas cerca de 15.000 militares e elementos das forças de segurança do Estado, no maior dispositivo de sempre já mobilizado em Espanha em tempos de paz.
Somam-se os meios regionais e locais, entre eles, perto de 2.300 bombeiros e cerca de 650 elementos de polícias municipais e da polícia autonómica valenciana.
A assistir as populações há ainda organizações não-governamentais (ONG). A Cruz Vermelha, por exemplo, revelou na terça-feira já ter atendido a mais de 139.000 pessoas, a quem prestou serviços de saúde físicos e mentais, em hospitais de campanha e unidades móveis. A Cruz Vermelha tem 1.827 pessoas deslocadas em Valência.
100.000 carros danificados ou destruídos
O temporal deixou milhares de carros amontoados em estradas, ruas e parques de estacionamento, muitas vezes empilhados uns nos outros em verdadeiras montanhas de veículos, naquilo que é uma das imagens mais associadas a estas inundações.
Segundo as estimativas das associações e empresas de remoção de carros que estão no terreno a trabalhar em coordenação com os militares e polícias, ficaram danificados e destruídos mais de 100 mil veículos.
Os carros estão a ser levados para centros de abate e espaços entretanto criados para esse objetivo e todas as associações e empresas têm de fazer a ligação com os seguros, para serem iniciados processos de registo e de contacto com os proprietários.
50 áreas industriais e 1.800 comércios com danos
As enxurradas deixaram destruídos ou muito danificados os pisos térreos das ruas que invadiram na noite de 29 de outubro, fossem casas de habitação, comércios, restaurantes, bares ou outro tipo de empresas.
O maior impacto foi em zonas suburbanas da cidade de Valência, que além de ser densamente povoada, é onde estão instaladas dezenas de zonas industriais e de parques comerciais e empresariais.
Não é conhecido ainda um número ou estimativa de habitações destruídas ou danificadas.
Associações empresariais divulgaram que, após uma primeira avaliação, há 50 áreas industriais afetadas, onde funcionavam 6.800 empresas. Pelo menos 1.800 comércios tiveram danos provocados pelo mau tempo.
Com cerca de 897 mil habitantes, Valência é a terceira maior cidade de Espanha em termos de população, a seguir a Madrid e Barcelona. Em toda a província de Valência vivem cerca de 2,6 milhões de pessoas, segundo dados oficiais.
Transportes, telecomunicações e água afetados
Estradas, pontes, viadutos, linhas de comboio e metro e redes de abastecimento de água e energia ficaram danificadas pelo temporal e pelas enxurradas.
Segundo o balanço mais recente, do início da tarde de hoje, há ainda 33 estradas cortadas na região de Valência e condicionamentos de trânsito em dezenas de outras. Algumas linhas de metro e de comboio suburbanas continuam cortadas
Foi já reposta a quase totalidade da rede de eletricidade afetada e metade da de telecomunicações. Voltou a haver água nas torneiras das zonas afetadas, mas não é potável. Unidades militares estão distribuir água engarrafada pelas populações.
10.600 milhões de euros para primeiras ajudas
O Governo de Espanha declarou na terça-feira "zona de catástrofe" a região de Valência e aprovou um primeiro pacote de 10.600 milhões de euros em ajudas às populações e empresas.
Espanha iniciou já também os procedimentos para ativar o fundo de solidariedade da União Europeia e pediu a aprovação urgente no Parlamento Europeu de uma alteração aos regulamentos dos fundos de coesão, para os poder reprogramar e destinar à zona afetada pelas inundações.
O Governo disse que as consequências das inundações vão exigir recursos de tal dimensão que Espanha terá de rever tetos de défice e dívida pública, mas não avançou números.
Gestão política sob críticas
As primeiras críticas surgiram logo após as inundações, por o alerta da proteção civil - que compete ao governo regional - ter chegado aos telemóveis depois das 20:00 do dia 29, terça-feira da semana passada, quando já havia estradas e localidades inundadas e quando estava ativo desde as 07:30 da manhã um aviso vermelho da agência estatal espanhola de meteorologia.
Seguiram-se as críticas à resposta à catástrofe no terreno, que as populações sentem ter sido e que continua a ser demorada. Há 15 mil militares e polícias nas zonas afetadas, mas chegaram pouco a pouco e o grande reforço só ocorreu no fim de semana.
A coordenação no terreno é do governo regional valenciano, a quem cabe pedir meios ao executivo central e definir a sua atuação e afetação no território. Sánchez (socialista) tem sido pressionado por vários setores a declarar unilateralmente o estado de "emergência nacional", que retiraria a tutela da coordenação à região autónoma (liderada pelo Partido Popular, de direita).
O primeiro-ministro disse na terça-feira que não o fará, por respeito institucional e por considerar que essa mudança operativa neste momento prejudicaria a resposta às populações, sublinhando que é o governo regional que melhor conhece neste momento a situação no terreno.
Sánchez reconheceu no sábado que a resposta estava a ser insuficiente e garantiu todos os meios e colaboração necessária ao governo valenciano.
O que provocou as inundações
O temporal do dia 29 de outubro atingiu em especial as bacias dos rios Magro e Turia, provocando o transbordo de diversos, como o conhecido como Barranco do Poyo, que se revelou o mais trágico, pelo impacto em localidades suburbanas do sul da cidade de Valência, como Paiporta, onde morreram mais de 60 pessoas.
Segundo os serviços meteorológicos espanhóis, houve chuvas com níveis inéditos em localidades como Chiva, mas nas zonas mais destruídas pelas enxurradas, densamente povoadas e construídas, situadas mais a sul e perto das desembocaduras dos rios, quase não houve registo de pluviosidade naquele dia.
A região de Valência já tinha vivido outras inundações catastróficas, como as de 1957, que mataram 81 pessoas. As deste ano, segundo especialistas em meteorologia e clima, estão associadas às alterações climáticas, que estão a provocar fenómenos extremos com frequência na região do Mediterrâneo.
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