"Existe uma tentação autoritária em toda a Europa que está a encontrar o seu caminho no sistema jurídico. Começou há vários anos com a luta contra o terrorismo, mas todas as medidas tomadas para fazer face a uma ameaça concreta tornam-se no quadro normal", disse Callamard à Lusa, que esteve em Lisboa como oradora em várias sessões na WebSummit 2024.
Um dos principais problemas relacionados com as violações dos direitos humanos na Europa, apontou, reside na adoção de "leis, políticas e práticas que violam os direitos humanos", seja através de "leis contra as Organizações Não Governamentais (ONGs), leis contra a imprensa independente e leis contra o direito de protesto", por parte dos governos europeus.
"No último ano, assistimos a uma multiplicação de leis e políticas adotadas para impedir as marchas pró-palestinianas, uma violação do direito internacional e do direito das pessoas a expressarem as suas opiniões", adiantou a secretária-geral da organização de defesa dos direitos humanos.
Agnès Callamard, doutorada em Ciência Política, é secretária-geral da Amnistia Internacional e foi ainda relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre execuções extrajudiciais sumárias ou arbitrárias de 2016 a 2021 e diretora executiva da Article 19, uma organização internacional de direitos humanos que promove a liberdade de expressão a nível mundial.
Outra grande ameaça aos direitos humanos no continente, reiterou Callamard, passa também pela forma como os países europeus lidam com os "refugiados e as migrações", acabando por adotar "uma série de leis, políticas e práticas que violam a humanidade e o direito internacional".
A secretária-geral criticou ainda os países europeus, como França, que persistem em "exportar armas para países que continuam a violar os direitos humanos" a países como os Emirados Árabes Unidos (EAU), que posteriormente vendem esse mesmo armamento "ao Sudão e às Forças de Segurança do Sudão (RSF)", uma ação que viola o "embargo de armas imposto pela ONU".
Desde abril de 2023, o Sudão, onde cerca de 26 milhões de pessoas enfrentam uma grave insegurança alimentar, é palco de uma guerra entre as RSF, grupo paramilitar liderado pelo general Mohamed Hamdane Daglo, e o exército chefiado pelo general Abdel Fattah al-Burhane, o líder de facto do país.
Além disso, a guerra na Ucrânia é "algo que toda a Europa precisa de resolver", defendeu a politóloga francesa.
"Houve uma grande reação inicial, incluindo em termos de refugiados da Ucrânia, que foram aceites de braços abertos, mas a Ucrânia e o povo ucraniano estão a ser muito prejudicados pela agressão da Rússia", afirmou.
Leia Também: Amnistia preocupada com sentenças contra 'influencers' na Tunísia