Coreia do Sul. O que levou três portugueses a um mundo distante?

Três portugueses, que atravessaram o mundo em tempos e por razões diferentes, partilham com a Lusa como é viver na Coreia do Sul, país ainda muito desconhecido em Portugal.

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Lusa
11/12/2024 10:58 ‧ há 3 horas por Lusa

Mundo

Coreia do Sul

Tem 20 anos e vontade de fazer mudanças. Miguel Morais saiu de Portugal aos 17 para um ano sabático - que entretanto se transformou em dois. Este portuense fez a mala após o secundário rumo à Tailândia, onde deu aulas de línguas, participou em combates de muay thai e teve um chefe sul-coreano, que lhe falou pela primeira vez da hipótese de se mudar para Seul.

 

Com cerca de 17 mil seguidores no Instagram e 12 mil no Tiktok, Miguel quer normalizar a saída de portugueses do país para um 'gap year', antes de ingressarem no ensino superior. Já é prática corrente em muitos países, mas, lamenta, ainda é pouco entendido em Portugal.

"As pessoas perguntam-me o que vou estudar 'quando acabar isto'. Dizem no sentido, 'pronto, ele deslizou, mas vai voltar ao lugar'. Não me perguntavam como estava a ser a experiência na Tailândia, mas o que ia estudar depois disso", conta.

À Coreia, chegou sem saber nada do país, mas em nove meses, a vida mudou. Trabalha num centro de intercâmbio de línguas, embora o foco no momento seja o trabalho como ator de publicidade. "Sou aquela personagem clássica do rapaz universitário", diz, e sorri com a ironia da afirmação. Apesar disso, assume, o ensino superior está no horizonte.

Quanto à criação de conteúdos, quer trazer para o digital o lado interessante e desconhecido do país. "Em Portugal, sabe-se muito sobre a Coreia do Norte e pouco sobre a Coreia do Sul", brinca.

Alguns aspetos da vida de Miguel aqui: Seul, com quase dez milhões, é a maior cidade onde esteve na vida; fruta e vegetais são muito caros; o K-pop (pop coreano) entrou-lhe no ouvido e Portugal encontra-se essencialmente no vinho.

Com a mesma idade de Miguel, Sophie Carvalho meteu-se num avião. Filha de imigrantes portugueses em França, fugiu do primeiro ano do Inalco -- Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais, em Paris, onde estava a aprender coreano. "Não gostei nada daquilo, porque aprender uma língua não é meter 300 pessoas numa sala", defende.

Vive com o namorado sul-coreano nos arredores de Seul e trabalha como tradutora freelance. Fala e escreve a língua.

"Em França, já era filha de imigrante e já tinha aquela ideia de, quando estás num país, deves aprender a língua e a cultura e não chegar com preconceitos ou ideias de que vais mudar o país para viver mais confortavelmente", refere Sophie, há dez anos na Coreia.

Sobre a língua, diz, "em poucas horas" aprende-se a ler. E conta a história do rei Sejong (1397-1450), que criou o hangul, alfabeto coreano para promover a literacia entre os comuns. A escrita chinesa, que permaneceu o meio de escrita oficial até finais do século XIX, "era extremamente complicada para as pessoas que trabalhavam nas terras e que não podiam ir à escola".

Além de aprender a língua, Sophie concluiu Estudos Internacionais na Universidade das Mulheres Ewha. Importante centro da causa feminista no país, foi também aqui que, em 2016, começaram as manifestações que levaram à destituição da ex-presidente Park Geun-hye.

Sobre os sul-coreanos, Sophie, com raízes em Vale de Cambra (Aveiro) e Vila Verde (Braga), diz que têm muito em comum com os portugueses. Na hospitalidade: "não podes sair lá de casa sem comer uma tonelada de comida". "Gostam também muito de álcool e ao princípio também são um pouco frios, mas uma vez que consigas partir aquele vidro, são as melhores pessoas do mundo", acrescenta.

Mas ser-se estrangeiro também pode ser complicado: "A minha experiência por ser branca é muito diferente da que se fosse negra ou de um país do sul da Ásia. Eu sei que sou bem recebida aqui e tive muitas oportunidades que nunca teria tido se fosse de outra cor ou de outro país", resume.

Já Maria João Amaral, que nasceu em Coimbra e cresceu em Santarém, está há 20 anos na Coreia do Sul, país que acredita ainda ser muito desconhecido dos portugueses. Também trabalha com a língua.

Quando arriscou concorrer a uma vaga para dar aulas de português na Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros, estava sem emprego. Ficou com o lugar numa cidade que então "não era muito diferente" da de hoje: "Há uma diferença grande, não havia cafés praticamente e agora há não sei de quantos em quantos metros. Lembro-me de ir comprar uma daquelas cafeteiras elétricas para fazer café em casa. De repente houve um boom", diz.

Maria João fala pouco coreano - "certas palavras, algumas frases, coisas muito básicas" - mas diz que hoje a tecnologia vem em seu socorro. "Usamos o tradutor do inglês para o coreano, ou os sul-coreanos escrevem ou dizem em coreano e traduzimos para inglês", explica.

"Não se vive propriamente integrada, se não se falar coreano, sobretudo. Na sociedade coreana é-se sempre vista como um estrangeiro, que é o que nós somos, de facto", diz.

No departamento português da instituição onde trabalha, ingressam à volta de "30 a 40 alunos" por ano. Mas quase nenhum dá uso ao idioma no mercado de trabalho.

"Os meus alunos dizem que depois de se formarem querem entrar numa grande empresa, que paga melhores salários. E, normalmente, no mundo dos negócios, usa-se o inglês", nota a docente, ao explicar que estes estudantes estão a fazer duplas licenciaturas ('double major').

Maria João Amaral diz ainda que, depois de um período de expansão do ensino de língua portuguesa na Coreia, nota-se agora um recuo. Na Universidade de Estudos Estrangeiros de Busan, no sul do país, por exemplo, o português deixou de ter um departamento autónomo.

"As universidades estão a perder alunos coreanos, porque também não nasce muita gente. É a questão do problema da natalidade e há muitos alunos estrangeiros, que é quem ainda vai aguentando isto, por enquanto", reflete.

A Coreia do Sul tem a taxa de fertilidade mais baixa do mundo, com o número médio de nascimentos estimados por mulher a atingir um mínimo histórico de 0,71 no segundo trimestre de 2024, de acordo com dados citados pelo jornal Korea Times.

Atualmente estão registados na Embaixada de Portugal em Seul 324 cidadãos portugueses, segundo dados cedidos à Lusa pela representação diplomática em Seul.

Leia Também: A mudança tectónica de uma lei marcial: Coreia do Sul em caos governativo

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