A trégua de cinco dias, que já tinha expirado, "foi prolongada até ao final da semana e vamos tentar garantir que este cessar-fogo dure o máximo de tempo possível", declarou à imprensa Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.
A 11 de dezembro, três dias após a queda do regime do Presidente Bashar al-Assad na Síria, o líder das forças dominadas pelos curdos, que controlam grande parte do nordeste da Síria, anunciou um cessar-fogo de cinco dias com os grupos pró-turcos em Manbij, uma área predominantemente árabe, onde os combates resultaram na morte de 218 pessoas em apenas alguns dias.
Esta extensão do cessar-fogo surge numa altura em que os grupos apoiados por Ancara se preparavam para lançar uma ofensiva à cidade de Kobane, nas mãos das forças lideradas pelos curdos, segundo a organização não-governamental (ONG) Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
Os sírios curdos são a principal componente das Forças Democráticas Sírias (SDF) apoiadas por Washington e têm estado na linha da frente da luta contra o grupo 'jihadista' Estado Islâmico (EI).
Apoiante do novo poder sírio que derrubou o Presidente Bashar al-Assad a 08 de dezembro, a Turquia considera que as forças curdas instaladas no nordeste da Síria provêm do seu inimigo figadal, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), separatista.
"Compreendemos as preocupações muito legítimas da Turquia quanto à ameaça terrorista que o PKK representa", bem como a presença de "combatentes estrangeiros dentro da Síria", declarou Matthew Miller.
"Aquilo a que queremos assistir é à formação de um Governo nacional sírio que inclua todos os diferentes grupos étnicos existentes na Síria", precisou o porta-voz da diplomacia norte-americana.
Num país de maioria sunita mas multiétnico e multirreligioso, as novas autoridades, dominadas por islamitas radicais, estão também a ser escrutinadas quanto ao tratamento que será reservado às minorias.
Enquanto várias missões estrangeiras se reúnem com os novos dirigentes em Damasco, as autoridades esforçam-se por tranquilizá-las quanto à sua capacidade de pacificar o país, dividido e devastado por 13 anos de guerra civil.
O chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, deslocou-se à Turquia na semana passada para debater a situação na Síria com o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.
Hoje, no Conselho de Segurança da ONU, a Turquia advertiu de que continuará a aplicar "medidas preventivas" na fronteira com a Síria, para impedir que os grupos curdos presentes no país árabes "explorem a situação no terreno", segundo o seu embaixador Ahmed Yildiz.
Com estas palavras, o diplomata pareceu confirmar indiretamente as informações hoje publicadas pelo diário norte-americano Wall Street Journal, que cita fontes norte-americanas segundo as quais a Turquia está a preparar uma operação de grande envergadura em território sírio contra os grupos curdos nos próximos dias.
Numa sessão do Conselho de Segurança especificamente dedicada à situação na Síria, Yildiz aproveitou a oportunidade para dar lições ao novo Governo sírio, alertando para que a transição "não pode incluir atores como o PKK, a YPG e as SDF", ou seja, os principais grupos curdos, o primeiro dos quais está principalmente presente em solo turco, representando os outros dois a grande minoria curda síria.
A YPG (Unidade de Proteção Popular, considera-se uma "milícia popular democrática" formada por alas ligadas a movimentos nacionalistas da região curda da Síria) e as SDF (Forças Democráticas Sírias, aliança de milícias de sírios curdos, árabes, assírios, arménios, turcos e circassianos que defende um Governo secular, democrático e federalista) foram os principais aliados dos Estados Unidos na Síria nos últimos anos e, nos últimos dias, reivindicaram um papel na nova Síria, onde já administram 'de facto' algumas regiões do nordeste do país, não sem tensões com os grupos rebeldes árabes.
"A Síria não deve tornar-se um refúgio para os grupos terroristas que exploram o período de transição para prosseguir os seus objetivos e, em particular, o PKK, a YPG e as SDF constituem uma grave ameaça não só para a unidade e a segurança da Síria, mas também para a segurança nacional de toda a região", defendeu o diplomata turco.
"É urgente erradicar estes grupos para garantir a segurança dos sírios", insistiu, perante o Conselho de Segurança da ONU.
Na mesma sessão, interveio também o representante do Irão, que tentou justificar o apoio que o seu país prestou durante mais de uma década ao regime derrubado de Assad.
O diplomata iraniano Amir Saed Iravani afirmou, a esse respeito, que o seu país "há anos que presta apoio legítimo à Síria na sua luta contra o terrorismo e, sem a ação determinada e os sacrifícios do Irão e do Hezbollah (o seu aliado xiita libanês), a Síria teria caído inteiramente sob o controlo do Estado Islâmico e dos grupos terroristas a ele associados, cuja influência se teria estendido ao Líbano".
"Tais ações desempenharam um papel fundamental para pôr fim ao grupo 'jihadista Estado Islâmico", vincou.
Na sessão do Conselho, esteve presente o ainda representante do Governo deposto da Síria, Kussay Adahhak, mas não usou da palavra. Ao que parece, o Governo sírio pediu-lhe que se mantenha, por enquanto, no cargo.
Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou hoje que as novas autoridades sírias ainda não apresentaram um pedido formal para substituir Adahhak por um diplomata da sua confiança.
[Notícia atualizada às 21h03]
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