As medidas com consequências mais imediatas e visíveis são aquelas que se relacionam com a imigração, explicou o cientista político Thomas Holyoke, professor na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno.
"Ele está a ignorar as leis de asilo dos Estados Unidos e isso está a ter consequências, uma vez que todos os que tinham audiências de asilo viram-nas ser canceladas", referiu. "Não é claro que ele possa ignorar as leis de asilo, é algo que vai ter muita resistência".
O professor indicou que uma das discussões que está a acontecer agora na sua universidade em Fresno é o que fazer se aparecerem agentes federais à procura de imigrantes sem documentos. "Se aparecer uma força federal armada, não sei se a polícia do campus poderá fazer alguma coisa".
Várias das ordens executivas já começaram a ser desafiadas legalmente, com destaque para a medida que pretende acabar com o direito de cidadania por nascimento em território americano.
"Muitas vão provavelmente ficar penduradas nos tribunais e suspeito que o direito de nascimento irá chegar ao Supremo Tribunal", referiu. "Ficaria muito surpreendido se alterassem o entendimento da 14.ª emenda".
A professora luso-americana Daniela Melo, da Universidade de Boston, também aponta para a inconstitucionalidade da medida.
"É um decreto que não pode ser aplicado legalmente, porque é inconstitucional", afirmou. "Só uma mudança à Constituição é que pode realmente mudar esse direito".
Para a cientista política, este é um exemplo do aspeto performativo de várias ordens executivas assinadas por Trump, que foram mensagens diretas à base MAGA mas terão dificuldade em ultrapassar obstáculos legais.
O que a professora sublinhou foi a invocação do Alien Enemies Act de 1798, feita por Trump, que também será contestada em tribunal mas pode ter graves efeitos.
"Não é a primeira vez que os presidentes americanos invocam essa lei para lidar com a imigração", explicou. Uma das últimas vezes foi durante a II Guerra Mundial, com Franklin Roosevelt, e permitiu o aprisionamento de japoneses e italianos em campos de detenção, com violações dos direitos humanos e de livre expressão.
Daniela Melo acredita que os alvos da deportação em massa serão cidades democratas como Chicago, Los Angeles e Nova Iorque, uma vez que em termos logísticos não há forma de as implementar em todo o país -- são precisos mais juízes de imigração, mais prisões e mais agentes.
"É uma estratégia que se enquadra na retórica de Donald Trump sobre tudo que está errado na América, e de como os governadores democratas são os grandes responsáveis por dar guarida aos imigrantes ilegais, estes supostos criminosos", frisou.
No plano internacional, a saída da Organização Mundial de Saúde é a medida que considera pior. "É uma decisão desastrosa", considerou. "Porque os Estados Unidos não são só os maiores contribuidores financeiros, mas muitas das medidas de saúde pública a nível internacional passavam pela OMS na sua distribuição. Isto vai ter um efeito global".
A especialista também chamou a atenção para o número recorde de ordens executivas assinadas. "Quando o presidente entra e tem o Congresso nas mãos, geralmente pensa que pode legislar e fazer mudanças estruturais e para as gerações futuras através de legislação", salientou.
"Ele não fez isso, apesar de ter a Câmara dos Representantes e o Senado do lado dele", continuou. "Isso indica que não pretende utilizar a capacidade que tem com este alinhamento entre o poder executivo e o poder legislativo".
Ao invés disso, pretende ignorar o processo legislativo, que é mais moroso e exige negociação, optando por ordens que passam a mensagem de um presidente de mangas arregaçadas. "Não está só a fazer um teste de stress às instituições. Quer tentar fugir às instituições para atingir os seus objetivos o mais rapidamente possível".
Para Thomas Holyoke, nada do que foi assinado até agora é uma surpresa. "Alinha-se bem com o que Trump dizia na Truth Social à base MAGA", disse o professor. "Ir atrás de empregados federais, da diversidade, tentar militarizar a fronteira, declarar emergências. Ele disse que ia fazer estas coisas".
O politólogo notou que todos os presidentes começam os mandatos numa posição de força e Trump está a aproveitar isso.
"Eles percebem que Trump é agora mais poderoso do que alguma vez voltará a ser no futuro", sublinhou. "É a natureza dos presidentes começarem a perder poder e influência gradualmente, em especial no segundo mandato".
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