Em apenas dois dias, 16 pessoas morreram nesta verdejante vila de seis mil habitantes no Cuanza Norte, fazendo soar os alarmes das autoridades angolanas, a braços com um surto de cólera desde 07 de janeiro, que matou mais de 300 pessoas em todo o país e ultrapassou os 8.000 casos.
Em pânico, muitos fugiram para as aldeias vizinhas, fazendo a doença alastrar ainda mais, levando o Governo a decretar uma cerca sanitária para tentar interromper a cadeia de transmissão.
Mas, apesar de não ser fácil chegar -- o acesso a partir da estrada principal faz-se através de uma picada estreita coberta de capim, que as motorizadas podem demorar uma hora e meia a percorrer -- os aldeãos circulam a pé para aceder às suas lavras.
De comboio, chegam apenas agora as equipas de saúde, mantimentos e material sanitário para socorrer os moradores de Luinha.
Terra fértil, próxima de uma linha de água atravessada pela ponte ferroviária metálica, é difícil ignorar a beleza natural da localidade, mesmo em tempos de cólera.
São 10:00 e a luz brilhante do sol pinta com cores fortes a zona da estação do Luinha, a 150 quilómetros a norte da capital angolana.
Nilton Golambole, da Direção Nacional de Saúde Pública, tenta organizar os impacientes camponeses em filas enquanto distribui pastilhas para o tratamento da água.
"Cada uma dá para tratar cinco litros. Se forem duas, dá para dez. Se forem três, tratam 15. Se forem quatro, tratam quanto?", vai perguntando, à medida que entrega as pastilhas e explica aos populares como prevenir a contaminação.
Alguns aproximam-se dos repórteres da Lusa com queixas sobre a falta de água, de luz, de saúde, de tudo.
Outras, como Generosa Cafeka, que tem o marido internado, e Augusta Yeta, uma avó que perdeu o neto de 11 anos, lamentam os efeitos da cólera sobre as suas famílias, mostrando surpresa com a rapidez com que a doença mata.
"Foi um susto", resumiu o soba Álvaro Veiga à Lusa.
"Creio que, para entrar aqui, deve vir de comboio, deve vir de Luanda", sugeriu o soba, acrescentando que pode ter sido também a falta de água tratada e "o rio sujo" a trazer a doença.
É por via ferroviária que muitos camponeses levam os seus produtos da banana à mandioca, até Luanda, onde têm a possibilidade de os vender a melhor preço.
O comboio que dá vida ao Luinha, transportando pessoas, bens e animais, desta vez trouxe a morte.
Por isso agora, prossegue o soba, "o escoamento está difícil", mas apesar da epidemia é preciso continuar a ir à lavra "porque a fome também é uma doença".
Henrique do Nascimento lembra-se bem do último comboio de passageiros que passou e de ver o rasto de morte que deixou: "Era sexta-feira. Depois da partida do comboio, começou a doença. No sábado, continuou com a morte", diz, sublinhando "todo aquele movimento" que se gera em cada chegada e partida.
Hoje, além de alimentos, detergente, sabão e álcool gel, a automotora chega apenas com uma equipa do Ministério da Saúde, incluindo técnicos que vão render os colegas ali colocados.
Celso Malavaloneke, assessor da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, garante acompanhamento permanente do Governo e confirma que o comboio terá facilitado a transmissão da doença, tendo em conta o histórico epidemiológico e a proximidade ao município de Cacuaco, epicentro inicial do surto.
Dificuldades no saneamento, o hábito de defecar ao ar livre e o consumo de água do rio não tratada terão contribuído para a disseminação, admite.
O Ministério da Saúde e o governo provincial reagiram rapidamente, mobilizando uma equipa multissetorial que incluiu as Forças Armadas - que trouxeram as primeiras equipas de helicóptero -, permitindo estabilizar a situação e diminuir drasticamente o número de óbitos, disse o responsável à Lusa.
"De maneira geral, as pessoas estão agora a receber o tratamento necessário para não evoluírem para óbito", sublinha Celso Malavaloneke, acrescentando que está em curso uma campanha de vacinação direcionada para as comunidades mais afetadas.
A fase seguinte, adiantou, passa pela interrupção da circulação do vibrião colérico, promovendo hábitos de higiene e melhorando o tratamento da água, tarefa para a qual foram mobilizados 50 jovens ativistas comunitários para ajudar na sensibilização das famílias.
Os doentes estão a ser tratados no próprio Luinha, onde um centro de tratamento de cólera instalado numa escola, acolhia, na quinta-feira, dia em que a Lusa esteve no local, uma vintena de pacientes, entre homens, mulheres e crianças.
Didi Chimbiana, coordenador adjunto, explica que as pessoas com sintomas são encaminhadas de acordo com a triagem, sendo os casos menos graves tratados de imediato com hidratação oral e soro, enquanto os mais graves ficam internados.
O cheiro a desinfetante é forte. O chão está permanentemente molhado com água misturada com hipoclorito para afastar as moscas e é necessário desinfetar as solas dos sapatos ao abandonar as salas de internamento.
Tal como o faz uma menina de tenra idade, de barriga inchada e olhar curioso por detrás da máscara respiratória.
Foi socorrida a tempo e não entrou na lista dos óbitos, mas muitos não terão a mesma sorte.
Enquanto o Ministério da Saúde tenta, a todo o custo, travar a cadeia de transmissão, o vibrião da cólera continua a deslocar-se, com ou sem comboio e a progressão da doença preocupa os bairros vizinhos.
Agostinho Dala Santos, conselheiro do Ichimavo, bairro com quatro mil habitantes, está preocupado: "A epidemia iniciou no Luinha. Como aqui é o caminho de quem sai para Luanda, fomos infetados (...) Pedimos que nos apoiem com medicamentos e uma cisterna de água, para que as pessoas que estão saudáveis sejam ajudadas".
E pede maior intervenção das autoridades sanitárias para tratar dos mortos. "O próprio povo é que está a fazer o trabalho. Transportamos da casa até às tendas [de tratamento] e, quando morrem, nós é que cavamos a campa para os enterrarmos. Isto era trabalho da saúde, não do povo", desabafa.
O Cuanza Norte, que soma mais de 30 óbitos, tem a maior taxa de letalidade entre as 14 províncias angolanas afetadas pela cólera e a doença continua sem dar tréguas.
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