Numa reunião do Conselho de Segurança da ONU focada nas situações política e humanitária na Síria, Tom Fletcher indicou que as equipas no local estão a conseguir prosseguir com uma ação humanitária "ambiciosa e alargada" através da utilização de mais rotas para entrega de ajuda.
"Estamos também a avançar rapidamente com a transição para a nossa nova arquitetura de coordenação humanitária. E estamos a envolver-nos com vários Estados-membros para aliviar ainda mais as sanções e restrições que afetam as nossas operações", disse, acrescentando que, através dessa combinação de esforços, a ONU está a conseguir levar apoio a milhões de pessoas na Síria todos os meses.
Além disso, a infraestrutura na Síria está a ser reparada para restaurar o acesso à água a milhões de pessoas. Por exemplo, a Estação de Água Atareb, em Alepo, retomou as operações a 14 de março, alimentada a energia solar, e está a servir 40.000 pessoas.
Dezenas de centros de nutrição e equipas móveis estão também a examinar crianças e mães, e mais de 1.100 operações foram conduzidas para limpar mais de 1.700 munições não detonadas, "uma parte vital da criação de condições para que os sírios regressem às suas casas", observou Fletcher.
Contudo, esses progressos estão em risco sem um maior financiamento.
"Precisamos de mais financiamento. Não temos ilusões sobre as perspetivas financeiras sombrias para o apoio humanitário a nível global", admitiu o responsável pelos Assuntos Humanitários da ONU, reconhecendo que as equipas no terreno têm de "fazer escolhas brutais" sobre quem auxiliar.
O apelo de financiamento para a Síria do ano passado foi financiado em apenas 35%, o que levou a ONU a reduzir a sua resposta humanitária em mais de metade.
Este ano, a ONU pediu dois mil milhões de dólares (1,85 mil milhões de euros) para chegar a oito milhões das pessoas mais vulneráveis até junho, mas recebeu até agora apenas cerca de 155 milhões de dólares (143,4 milhões de euros) -- apenas 13% do valor pedido.
"[Agora] a perspetiva é mais sombria: a nossa investigação inicial sugere que quase metade das organizações financiadas pelos Estados Unidos receberam ordens de interrupção total ou parcial, com um corte de 40% na equipa humanitária", disse Fletcher.
No início do ano, quando assumiu a Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, suspendeu grande parte do financiamento à ajuda humanitária externa, o que tem afetado muitas organizações, incluindo a ONU.
"Os cortes no financiamento não significam que as necessidades humanitárias desapareçam. Mais de 16 milhões de pessoas -- quase três quartos da população -- continuam sem alimentos suficientes, água potável, abrigo e serviços básicos. Para salvar mais vidas, precisamos de mais dinheiro", reforçou.
Tom Fletcher aproveitou ainda para defender a necessidade de se "avançar com maior urgência para investir na recuperação, reconstrução e desenvolvimento da Síria".
"O povo da Síria quer reconstruir o seu país e os seus meios de subsistência. (...) O custo da hesitação é superior ao risco de uma ação decisiva", frisou.
Na reunião participou também o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, que se focou na violência sem precedentes desde a queda do regime de Bashar al-Assad.
Pedersen pediu que sejam feitas mais investigações para determinar completamente os perpetradores da "violência chocante contra civis" e para passar um "sinal claro de que a era de impunidade na Síria está no passado".
"Enfatizei a importância de as investigações serem eficazes, transparentes, independentes e abrangentes, em linha com os padrões internacionais, e que as testemunhas não sejam intimidadas e sejam protegidas. As descobertas precisam de ser tornadas públicas e os responsáveis devem ser responsabilizados, com um sinal claro de que a era de impunidade na Síria está no passado", afirmou.
No início de março, mais de 1.600 civis, sobretudo alauitas, morreram durante confrontos entre as forças de segurança e militares leais ao Presidente deposto, Bashar al-Assad, no oeste do país. As forças de segurança, grupos armados aliados e 'jihadistas' estrangeiros foram responsabilizados por estas atrocidades, as mais graves desde que uma coligação liderada pelo grupo radical islâmico sunita Hayat Tahrir al-Sham (HTS) derrubou Assad do poder, a 08 de dezembro de 2024.
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