A análise surge na véspera do arranque de uma cimeira internacional em Londres, promovida pela Agência Internacional de Energia (AIE) e pelo Governo britânico, que irá debater até sexta-feira o tema da segurança energética com a participação de representantes de cerca de 60 governos, incluindo o português.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, resultou numa crise energética que obrigou os países europeus a procurarem outros fornecedores de gás natural para reduzirem a dependência de Moscovo, recordou a jornalista e analista do centro de estudos britânico Royal United Services Institute (RUSI), Aura Sabadus.
Nos últimos anos, os países europeus aumentaram a importação de gás natural liquefeito (GNL) dos EUA, Qatar e de África.
"Paradoxalmente, a Europa tornou-se mais segura, mas também mais vulnerável em termos de abastecimento, devido à globalização deste mercado (pois) está mais exposta", explicou, num encontro por videoconferência com jornalistas, no qual a agência Lusa participou.
A especialista afirmou que os preços passaram a ser influenciados por eventos políticos, climatéricos e até sociais, e, mais recentemente, pela incerteza relacionada com o atual discurso político e económico do Presidente norte-americano, Donald Trump.
"Mas tudo isto levanta grandes dúvidas para o futuro, nomeadamente o impacto da clivagem transatlântica no abastecimento da Europa", avisou, durante o encontro organizado pela organização não-governamental Unidade de Informação sobre Energia e Clima (ECIU).
"Que tipo de impacto terá isso nos fornecimentos futuros?", questionou.
No início de abril, Trump sugeriu que poderia negociar as tarifas aduaneiras se a União Europeia (UE) comprasse 350 mil milhões de dólares (306 mil milhões de euros no câmbio atual) em energia ao seu país.
Outra participante, a analista Sarah Brown, do centro de estudos britânico Ember, qualificou esta hipótese de "irrealista" pois, mesmo se a UE comprasse a totalidade do GNL consumido anualmente, o valor ficaria pelos 30-35 mil milhões de dólares (26-31 mil milhões de euros).
Atualmente, estima-se que os EUA representem 45% do GNL importado pela UE e a Rússia cerca de 19% (contra 50% em 2021).
"O GNL tornou-se geopolítico porque também foi apanhado nas guerras de tarifas entre Washington e Pequim. Não é a primeira vez que a China deixa de importar GNL dos EUA", referiu, por sua vez, o professor de Energia Mundial da Universidade de Warwick, Michael Bradshaw.
O académico acredita que os países europeus podem aproveitar estes carregamentos rejeitados por Pequim para reabastecer os depósitos esvaziados durante o inverno.
Também Sarah Brown acredita que existem "oportunidades" de os países europeus acelerarem a sua transição para energias renováveis e deixarem de depender dos combustíveis fósseis, reforçando a segurança energética.
"Com a potencial interrupção da transição limpa nos EUA, a Europa está agora a ver investidores, promotores e fornecedores a olharem mais para os seus mercados. E como esses investidores têm menos opções, a Europa deve começar a ver ofertas mais competitivas", explicou.
Outra grande incógnita para a segurança energética europeia continua a ser a Ucrânia devido à indefinição relacionada com as negociações de paz, vincou ainda Aura Sabadus.
Antes da guerra, o país era um importante ponto de passagem do gás russo para a Europa, mas entretanto foi interrompido.
"O que é que vai acontecer daqui para a frente? Será que o trânsito vai ser reposto através da Ucrânia? Será que o trânsito através do Nord Stream vai ser reposto?", questionou ainda a analista do centro de estudos britânico RUSI.
Os gasodutos Nord Stream, paralisados após explosões submarinas em setembro de 2022, ligam a Rússia à Alemanha através do Mar Báltico para transportar gás para a Europa.
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