O tempo nunca vai cicatrizar totalmente as feridas dos familiares das 130 vítimas mortais da crise de reféns no teatro Dubrovka, em Moscovo. Quinze anos depois, ainda esperam por respostas por parte do Kremlin que clarifiquem a atuação das forças russas e a forma como foi prestado auxílio (ou não) aos reféns.
No dia 23 de outubro de 2002, mais de 900 pessoas estavam no Teatro Dubrovka a assistir ao espetáculo musical ‘Nord-Ost’. Num repente, uma noite que deveria ser feliz, tonou-se num pesadelo. Cerca de 50 militantes chechenos invadiram o palco e tomaram o público e os atores como reféns.
Os separatistas queriam que o governo russo ordenasse a retirada das tropas russas da Chechénia. Só assim aceitariam libertar os reféns. Face à intransigência das autoridades russas, a situação prolongou-se durante três dias. Nesse espaço de tempo os militantes chechenos apenas aceitaram libertar algumas crianças.
Ao quarto dia de sequestro, os acontecimentos tomaram um rumo trágico. Os terroristas chechenos executaram duas reféns e as forças especiais russas, os conhecidos Spetsnaz, entraram em ação.
Espalharam um gás que continha uma substância anestésica e entraram no teatro. Os primeiros relatos das forças de segurança russas destacavam uma operação bem sucedida. Todos os separatistas foram mortos e nenhum elemento das forças de segurança russas morreu durante a operação.
Mas não tardou para que a terrível verdade fosse conhecida: 130 pessoas morreram durante e nos dias seguintes à operação levada a cabo pelos Spetsnaz, vítimas do gás lançado para o interior do teatro.
Após 15 anos, os familiares das vítimas continuam a querer saber o conteúdo do gás que foi libertado no teatro, mas continuam a esbarrar no silêncio das autoridades russas. Além de uma atuação desastrosa, os familiares das vítimas consideram que não foram prestados os cuidados médicos que poderiam ter poupado a vida a muitas pessoas.
Os poucos médicos no local não sabiam com que tipo de gás estavam a lidar. Mas o mais chocante foi a forma como as autoridades russas colocaram os corpos de algumas vítimas mortais e de feridos em autocarros, longe do olhar das pessoas que estavam no local e das câmaras e máquinas fotográficas da imprensa.
130 reféns perderam a vida na sequência da operação de resgate das forças russas© Getty Images
Muitos reféns que ainda estavam vivos, morreram nesses autocarros. Muitos engasgaram-se com o seu próprio vómito, outros inconscientes, engoliram a sua língua, e muitos outros sufocaram nos autocarros completamente cheios de cadáveres e feridos.
Isso mesmo foi reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2011, quando reconheceu que não foi prestada assistência médica suficiente por parte das autoridades russas, condenando o governo russo a pagar 1,3 milhões de euros a 64 queixosos.
Com o passar dos anos será cada vez mais difícil descobrir a verdade em torno da operação das forças russas, as respostas podem ficar irremediavelmente por dar.
A operação no teatro Dubrovka atestou um dos princípios do Kremlin: não negociar com terroristas, independentemente das circunstâncias. Dois anos mais tarde, a atuação das forças de segurança russas perante nova crise de reféns numa escola em Beslan voltou a deixar o mundo chocado.