Quem por estes dias passou pelo Parque das Nações, em Lisboa, terá notado que entre o centro comercial Vasco da Gama e o Altice Arena está acampado um homem em protesto. Chama-se Pedro Ribeiro. Tem 59 anos. E o que reivindica Pedro, afinal? “Eu estou aqui para exigir que todas as pessoas sejam retiradas da rua”, refere, em declarações ao Notícias ao Minuto.
Pedro conta-nos que trabalhou no ramo da restauração e hotelaria durante os últimos anos, mas retrocedendo mais umas décadas, percebemos que era empresário na Figueira da Foz. “Tive uma fábrica de malhas. Quem ainda hoje tem uma peça minha sabe que eu nunca repeti um modelo, poderia criá-lo em várias cores, mas nunca o repeti”, destaca.
Só que nem tudo correu bem. A fábrica acabou por endividá-lo e rumou a Lisboa. “Desde há 30 anos que não tenho uma casa minha. Foi sempre arrendada nos sítios onde estava a trabalhar (…) E agora, com 59 anos, não posso fazer nada sem ter um teto. Mesmo que eu esteja a trabalhar e tenha o meu rendimento, quero ter um espaço onde possa realizar outro tipo de tarefas, como pintar, escrever e entre outras coisas”, explica.
Pedro Ribeiro está em protesto há um mês e uma semana porque lhe foi retirado um subsídio atribuído pela Santa Casa da Misericórdia que lhe permitia ter uma casa. “O Santana Lopes [antigo provedor] obrigou a diretora da Santa Casa a atribuir-me um subsídio para eu ter uma habitação. O Santana Lopes saiu e ela [a diretora] retirou-me o subsídio. Fiquei na rua outra vez.”
Mas desde então - e desde que está naquele espaço que outrora foi o palco da Expo 98 - já foi chamado pela Santa Casa. “Apareceu aqui alguém que me disse: Vá lá que ela [a diretora da Santa Casa] quer repor tudo e dar tudo e mais alguma coisa para sair deste protesto. Não fui."
Esteve, inclusive, em greve de fome durante uma semana, porque a Polícia Municipal lhe derrubou os cartazes que o rodeiam como forma de protesto.
Pedro começou o protesto a 4 de junho. © Notícias ao Minuto
Pedro garante que o tempo em que viveu na rua o fez tomar consciência da situação que é vivida pelos sem-abrigo, reiterando, vezes sem conta, que só arreda pé dali quando perceber que a questão estará encaminhada. “Não vou sair daqui até ter a certeza de que a situação está a ser resolvida ou até ver que há um projeto, como deve ser, para retirar as pessoas da rua”, realça.
Pedro Ribeiro é critico em relação à postura do Presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, e por isso diz ter “várias coisas para lhe dizer”, uma delas é que “quer ser feliz”.
“O Presidente da Republica tem de retirar as pessoas da rua, porque a Constituição não o permite. Ele vem no Natal trazer um prato de sopa e vai-se embora até ao Natal seguinte. Coloca o problema para ser resolvido até 2023 na mesma semana em que diz que a mãe era assistente social (…) Alguém o teve de mandar calar”.
O contraste
Por esta altura, decorre no Parque das Nações o encerramento das comemorações dos 60 anos do príncipe Aga Khan como líder espiritual dos "shia ismaili". A organização estimou, no início do evento, que por ali passassem cerca de 45 mil fiéis.
A entrada para o encontro da comunidade é mesmo junto ao acampamento de Pedro Ribeiro. Relata-nos Pedro que muitos olham, perguntam e querem saber o porquê de ali estar. “Pus aquele cartaz ali em inglês para eles verem, de modo a chamar-lhes à atenção para o meu protesto. São muito amáveis e uma comunidade muito unida”, descreve.
“Encheu-se aqui uma multidão, que parecia que me levava tudo (…) a polícia gozou comigo, fui insultado e maltratado (…) alguém da organização é que me ajudou e me deu estas estruturas” para isolar as coisas. “Até me vêm dar garrafas de água”, enfatiza.
Perante o olhar curioso dos milhares que por ali passam todos os dias, Pedro diz-nos que não vai “defraudar as expectativas” e que apenas uma pessoa o pode fazer mudar de ideias: “Quem me pode tirar daqui é o Presidente da República, quando retirar as pessoas todas que estão na rua”.
Mais de três mil sem-abrigo, diz Marcelo
O Presidente da República, recorde-se, anunciou em maio que havia 3.059 sem-abrigo em Portugal e que as Secretarias de Estado da Segurança Social e da Habitação iriam assinar um "protocolo" para integrar aquelas pessoas sem casa através da habitação.
Marcelo disse também, na altura, que estava empenhado em criar uma Estratégia Nacional que dê resposta à integração das pessoas sem-abrigo até ao ano 2023. Em novembro de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa vestiu o 'fato' de voluntário e esteve no terreno com instituições que apoiam sem-abrigo em Lisboa e em fevereiro deste ano sublinhou que o número de sem-abrigo é superior ao que se pensa.