O juiz-desembargador Neto de Moura tornou-se conhecido da opinião pública depois de ter sido noticiado um acórdão por si assinado que justificava o crime de violência doméstica com o facto de a vítima ter cometido adultério – uma ação punível na Bíblia - tendo, em janeiro último, sido castigado com uma advertência pelo Conselho Superior de Magistratura.
Desde então, as atenções têm-se centrado neste juiz que, mais uma vez, volta a ser notícia por um acórdão relacionado com um crime de violência doméstica.
O documento data de outubro do ano passado, mas é hoje noticiado pelo jornal Público.
Em causa está a condenação de um homem de 53 anos que perfurou o tímpano à mulher na sequência dos socos que lhe dirigiu à cara. Noutra situação ameaçou-a de morte, tal como ao filho. “Vou-te matar e depois mato o teu filho”, disse à mulher, conforme se lê no acórdão.
O tribunal de primeira instância de Matosinhos condenou-o a uma pena suspensa de três anos por violência doméstica agravada. Mais. O homem ficou obrigado a pagar uma indemnização de 2.500 euros à vítima e proibido de se aproximar dela ou até mesmo de a contactar. Esta proibição, refira-se, seria sujeita a uma “fiscalização por meios técnicos”, leia-se, pulseira eletrónica.
O condenado recorreu da sentença e o Tribunal da Relação do Porto deu-lhe razão em parte.
Apesar de os juízes Neto de Moura e Luís Coimbra reconhecerem que o “arguido atuou com dolo direto” e de ser “conhecido o efeito devastador da violência doméstica para os ofendidos”, os magistrados decidiram pela eliminação da pena acessória de utilização da pulseira eletrónica pois esta decisão “não está, minimamente, fundamentada” e está “dependente do consentimento do arguido e da vítima”, sendo que “não se vislumbra que tal consentimento tenha sido obtido” no que ao condenado diz respeito.
“É necessário que o juiz, 'de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima', mas a sentença, também, omite essa fundamentação”, lê-se ainda no acórdão da Relação.
Os magistrados sublinham que o arguido “nunca desvalorizou a gravidade dos factos praticados, como tantas vezes acontece em casos de violência doméstica” e, assim, concedem “parcial provimento” ao recurso interposto pelo condenado.
Por outras palavras, Neto de Moura e Luís Coimbra mantêm a condenação, mas reduzem a pena para dois anos e oito meses (suspensa por igual período), ao mesmo tempo em que decidem “revogar a decisão de utilização de meios técnicos de controlo à distância na fiscalização do cumprimento dessa pena acessória”.
Posteriormente, o juiz-desembargador disse ao jornal Público que as leis referentes à proteção das vítimas de violência doméstica devem ser melhoradas. Em relação especificamente à utilização da pulseira eletrónica - seja enquanto medida de coação ou de fiscalização para cumprimento da pena - o magistrado destaca que é uma opção que "afeta a liberdade e a privacidade, não só do condenado e da vítima, mas também das pessoas que com eles têm uma relação de proximidade".
E, por isso, considera que a "fundamentação desse juízo de imprescindibilidade [da utilização da pulseira eletrónica] tem de ser vista caso a caso”.
Ainda em declarações ao Público, Neto de Moura explicou que na sua opinião é "sempre preferível uma intervenção pedagógica, em que se procure combater as causas da violência doméstica e educar para a cidadania e o Direito".
“E isso pode conseguir-se com o controlo exercido pelo técnico de reinserção social no âmbito do regime de prova que condiciona a suspensão da execução da pena", rematou.
[notícia atualizada às 12h30 com as declarações de Neto de Moura ao jornal Público]