Carlos Marques, também conhecido como "irmão Carlos Gabriel", começou hoje a ser julgado por um crime de burla, relacionado com um caso ocorrido em setembro de 2017.
O processo teve início numa queixa apresentada por um homem de 61 anos, residente em Ovar, que diz sofrer esclerose múltipla e que contactou o arguido para "tentar obter alguma melhoria", uma vez que os tratamentos médicos não estavam a fazer efeito.
"Ele disse-me que eu tinha uma grande maldição e enquanto isso não fosse tratado a minha filha também iria sofrer muito. Aquilo tocou-me", disse o ofendido.
Para dar início ao tratamento, o arguido pediu-lhe para depositar na sua conta bancária 4.000 euros, tendo ainda de pagar 50 euros pela consulta.
"O meu desespero era tanto que confiei nele. Da maneira como fui recebido e como ele falou comigo, achei que fosse alguém que tivesse algum poder para ajudar as pessoas que necessitassem", afirmou, adiantando que usou 2.000 euros que tinha das suas poupanças e pediu os restantes 2.000 euros ao sogro.
Mais tarde, como não viu melhorias no seu estado de saúde, o sexagenário decidiu contactar novamente o arguido que lhe terá dito para "deixar de ser chato". "Até pensava que não estava a falar com a mesma pessoa", afirmou.
O homem, que reclama o pagamento de uma indemnização no montante não inferior a 4.050 euros, disse ainda que tentou encontrar-se pessoalmente com o arguido no consultório em Aveiro, mas o local estava encerrado.
Perante o tribunal, o arguido assumiu apenas que o que ficou combinado foi "um acompanhamento humano", afirmando que o dinheiro entregue pelo ofendido foi para mandar rezar uma missa todos os dias durante um ano, orações e produtos naturais.
"Quanto a uma cura isso não foi falado lá, porque eu não sou santo. Eu trabalho através da espiritualidade e de produtos naturais", disse o "vidente".
Acrescentou ainda não haver uma cura para o problema do ofendido e que aquilo que sempre foi dito é que "ele poderá ter uma qualidade de vida muito superior àquilo que tinha atingido até ao momento".
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), o arguido agiu segundo um plano previamente por si concebido para se apoderar das importâncias monetárias que conseguisse subtrair às pessoas que o procurassem, aproveitando-se do seu estado físico e psicológico, "associando-o ao culto e devoção à nossa senhora de Fátima", com "dons especiais de cura".
O "vidente", que chegou a ter locais de atendimento em Fátima, Aveiro e Porto, difundia a sua atividade através da rede social Facebook, na rádio e em painéis publicitários, onde se referia a si próprio como sendo "uma caneta de Nossa Senhora" e anunciando que os seus dons e o seu poder têm mudado centenas de vidas, publicitando ainda imagens alegadamente suas em que se apresenta com evidentes semelhanças físicas com a imagem mais popular de Jesus Cristo.
Nas alegações finais, o Ministério Público pediu a condenação do arguido, enquanto a defesa pediu a sua absolvição sustentando que o arguido "não pode ser responsabilizado pelos desígnios superiores".
"Não se compram milagres e o ofendido bem sabia. Apenas tinha pedido uma orientação espiritual e naturista, como a teve", afirmou.
A leitura da sentença ficou marcada para o dia 22.